A fala de um líder talibã, segundo a qual a milícia fundamentalista islâmica, caso volte ao poder no Afeganistão - o que pode ocorrer em menos de 30 dias -, não "fechará as portas ao mundo", sugere uma moderação do grupo que entre 1996 e 2001 implantou o terror no país da Ásia Central.
Poderíamos imaginar um Talibã light? Na visão dos fanáticos, segundo a rede Al-Jazeera, a queda fácil, uma a uma, de grandes cidades afegãs nos últimos dias, como Herat e Kandahar, significa que o grupo tem o apoio da maioria da população afegã, cansada de guerra e da instabilidade do governo pró-Ocidente.
Não se engane. O silêncio significa medo.
Os fatos que emergem da terra arrasada onde o Talibã passou a controlar - com mais de cem mortos por onde passa -, garantem que o Talibã é, hoje, tão ou mais cruel do que no passado. Além disso, a história ensina que grupos políticos alijados do poder, se um dia voltam, carregam no sangue o desejo de vingança. Foi assim com os kosovares, após a Guerra dos Bálcãs, quando albaneses, vencedores da guerra, protagonizaram atos de desforra contra sérvios. Foi também o que ocorreu no Iraque pós-Saddam Hussein. Milícias xiitas massacram sunitas. Ex-militares, oficiais de Saddam apeados das forças armadas e diante de um governo rival, alimentaram as fileiras do grupo terrorista Estado Islâmico. Será assim com o Talibã a partir da conquista de Cabul.
Não são mais os velhos barbudos que representam o grupo que apedrejava até a morte adúlteros e adúlteras, obrigava homens a usarem barba e mulheres a vestir burca, impedia crianças de irem às escolas e destruía a rica cultura afegã. Esses ou estão mortos, como o histórico líder, mulá Omar, ou viraram diplomatas a desfilar pelos suntuosos palácios de Doha, no Catar, onde as negociações com o Ocidente fracassam a cada dia.
O Talibã versão 2021 é formado por uma nova geração de jovens que não viveram a guerra contra os soviéticos ou com os americanos. Eram crianças ou pré-adolescentes quando as torres-gêmeas desabaram, Osama bin Laden é como um tio distante. Mas que cresceram em um ambiente de pobreza, sob bombas ou sob ocupação ocidental e sobretudo convivendo com a contínua formação ideológica extremista nas madrassas. Mulá Mohammad Yaqoob, filho do mulá Omar, por exemplo, tem 30 anos. Quando seu pai abrigava Bin laden, ele tinha 10. O atual líder supremo, Haibatullah Akhundzada, está na faixa dos 60 anos, mas, alijado dos campos de batalha, passou mais tempo ensinando o Islã radical em escolas corânicas do que pegando em armas. Todos, entretanto, alimentam o ódio ao que se passou nos últimos 20 anos.
O Talibã protagoniza uma guerra-relâmpago a caminho de Cabul, dizimando as forças do governo dia após dia. Cerca de 65% do território do país estaria nas mãos da milícia, inclusive as cidades de Ghazni, Herat e Kandahar. Só falta Cabul.
A palavra da vez é vingança. Sobretudo contra os afegãos que colaboraram com os governos pró-americanos. Tanto que, nesse momento, a maior preocupação dos Estados Unidos é garantir a saída segura de seus cidadãos - tropas e funcionários da embaixada. O que Donald Trump e Joe Biden previram como uma saída tranquila, uma volta para casa com festa até o 11 de setembro de 2021, pode se transformar em um pesadelo com níveis de dramaticidade semelhantes à da retirada como da embaixada americana de Saigon, em 1975. Pode virar uma debandada.