Ao ameaçar bombardear bens culturais do Irã, o presidente Donald Trump se coloca no mesmo nível de terroristas do Estado Islâmico e do Talibã, conhecidos pelas prática abominável de devastação de relíquias arqueológicas.
Em março de 2001, seis meses antes dos atentados em Nova York e Washington, a milícia que comandava o Afeganistão destruiu as gigantescas estátuas dos Budas de Bamiyan - a maior tinha 53 metros de altura e era o Buda mais alto do mundo - que haviam sido escavadas em nichos na rocha, por volta do século 5. A ação provocou indignação mundial.
Mais recentemente, depois da proclamação em 2014 de seu falso califado entre o Iraque e a Síria, o grupo terrorista Estado Islâmico (EI) multiplicou as destruições em massa de locais antigos, gravando frequentemente estes atos em vídeos, como em Nimrod, joia do império assírio fundada no século 13 a.C, e destruída com escavadeiras e explosivos.
No museu de Mossul, tida como capital do EI, os extremistas devastaram com britadeiras estátuas antigas e tesouros pré-islâmicos da segunda maior cidade do Iraque. Entre as relíquias, estavam touros alados assírios com cabeça humana que mediam mais de dois metros de altura e pesavam mais de quatro toneladas.
Agora, Trump ameaça fazer exatamente o que fazem grupos terroristas condenados e combatidos historicamente pelos Estados Unidos. No sábado (4), afirmou no Twitter que os americanos mapearam 52 locais como alvo no Irã — entre eles bens culturais. O número é simbólico. Cinquenta e dois era a quantidade reféns na embaixada dos EUA em Teerã invadida em 1979, durante a Revolução Islâmica.
Desde a declaração, internautas reagiram com indignação por meio da hashtag IranianCulturalSites, que tem mais de 30 mil publicações divulgando sites históricos iranianos.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) contabiliza 24 sítios culturais iranianos (veja aqui todos) — os mais conhecidos são as ruínas de Persépolis, o Palácio de Golestão, Pasárgada e o Bazar de Tabriz. Os EUA contabilizam 24. O Brasil tem 22, entre eles Brasília e as ruínas de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul.
Destruir bens culturais é considerado crime de guerra _ responsabilizar grupos extremistas é muito difícil. Ainda assim, em 2016, o Tribunal Penal Internacional havia condenado Ahmad al-Faqi al-Mahdi, membro de uma milícia islâmica, por dirigir ataques a monumentos históricos e religiosos no Mali. Condenar governantes de países signatários de acordos internacionais, como os Estados Unidos, é bem mais acessível — e Trump pode ser responsabilizado se mirar alvos culturais. Desde 1954, os Estados Unidos participam do acordo internacional para proteger a propriedade cultural em conflitos armados. Resolução das Nações Unidas, assinada em 1972, prevê que todos os países envolvidos em uma guerra não estão autorizados a direcionar forças direta ou indiretamente contra alvos culturais.
Os principais bens culturais do Irã
Ruínas de Persépolis
Erguida em 518 a. C. sob ordem do rei Dario I, Persépolis ("cidade persa" em persa antigo) foi uma das capitais do Império Aquemênida. Foi conquistada e saqueada por Alexandre Magno, em 330 a.C.. É considerada um dos maiores sítios arqueológicos do mundo por sua arquitetura antiga, planejamento urbano e arte. Encontra-se a cerca de 70 km da cidade iraniana de Xiraz (província de Fars). É patrimônio mundial da Unesco.
Palácio de Golestão
O palácio do Império Cajar é considerado obra-prima por misturar a arquitetura persas de eras anteriores com influências ocidentais. Construído no século XVI, é um dos mais antigos grupos de edifícios da capital iraniana, Teerã. Foi renovado no século XVIII, quando a cidade se tornou capital do país. Foi usado para fins administrativos, mas também recreativos e como residência. A Arg ("cidadela", em persa) foi construída durante o reinado de Tamaspe I, do Império Safávida (1502–1736), e foi renovada, mais tarde, pelo imperador zande Carim Cã. Maomé Cã Cajar escolheu Teerã como capital. A Arg tornou-se na sede da corte do Império Cajar (1794–1925) e o Palácio do Golestão na residência oficial da família real daquela dinastia. Em 1865, o palácio foi reconstruído por Haji Abol-hasan Mimar Navai, alcançando a sua forma atual. Na era dos Pahlevi, cujo último representante foi o xá Reza Pahlevi, derrubado pela Revolução Islâmica, o local era sede de cerimônias importantes. Está na lista da Unesco como patrimônio cultural desde 2007.
Pasárgada
Fundada por Ciro II, o Grande, no século VI a. C., a mais antiga capital da Pérsia Aqueménida reflete o multiculturalismo do Império Persa na época. As ruínas de seu palácio, o paisagismo de seu jardim e o túmulo de Ciro fazem parte do atual sítio arqueológico, e são exemplos notáveis da primeira fase da civilização persa. As ruínas estão localizadas na província de Fars, a 87 quilômetros da outra capital antiga, Persépolis. O sítio arqueológico cobre uma área de 1,6 km², e contém uma estrutura que acredita-se ser o mausoléu de Ciro, o forte de Tall-e Takht em uma colina próxima e as ruínas de um palácio real e jardins. Na literatura brasileira, o poeta Manuel Bandeira, consagrou o nome da cidade como um lugar ironicamente ideal, em Vou-me embora pra Pasárgada.
Bazar de Tabriz
Um dos mais antigos bazares do Oriente Médio e o maior bazar coberto do mundo, Tabriz é local de intercâmbio cultural desde a antiguidade. Seu histórico complexo formava um dos centros comerciais mais importantes da Rota da Seda. O local já era próspero e famoso no século XIII e permaneceu relevante como centro comercial até o final do século XVIII, com a expansão do poder otomano. É um dos exemplos mais completos do sistema comercial e cultural tradicional do Irã. Fica localizado na cidade de Tabriz. A estrutura consiste de muitos sub-bazares, como o Bazar Amir (ouro e joias), Mozzafarieh (tapetes), um bazar de sapatos e muitos outros, de vários gêneros diferentes. A época mais próspera de Tabriz e seu bazar foi o Século XVI quando a cidade tornou-se a capital do Império Safávida. O bazar é utilizado para algumas cerimônias religiosas importantes. A mais famosa é o Dia da Ashura, período em que os comerciantes deixam de trabalhar por 10 dias e as cerimônias religiosas são realizadas dentro do bazar. Como outros bazares do Oriente Médio, há várias mesquitas construídas atrás do bazar.