Tudo ainda é possível, as cartas estão na mesa, mas é muito provável que a era Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro que ficou mais tempo no poder em Israel, esteja próximo do fim. Nem a campanha de vacinação exitosa contra a covid-19 nem a recente guerra contra o Hamas deve ser suficiente para manter, ao que tudo indica, Bibi, como é conhecido, no poder.
Como aconteceu: faltando poucos minutos para o final do prazo, a oposição israelense chegou a um acordo para a formação de uma coalizão estranha, um balaio de oito partidos com diferentes ideologias - dois de esquerda, dois de centro, três de direita e um árabe -, que, em comum, talvez, só tenham o desejo de ver Netanyahu virar história.
Em um cenário tão polarizado, que lembra os EUA e o Brasil, a saída foi pelo centro, personificada por Yair Lapid, líder do partido Yesh Atid, que precisou abrir mão do direito de ser o futuro premier, no imediato, em nome do acordo. Assim, o cargo, nos primeiros dois anos, se a estratégia der certo, ficaria com Naftali Bennett, do Yamina, a extrema-direita.
Tudo indica que será um acordo de conveniência - uma colcha de retalhos ideológica não irá resistir por muito tempo. Logo, esses partidos estarão se engalfinhando em uma próxima eleição. Mas, ao menos, há uma esperança de se virar uma página de crise política em que houve quatro eleições em dois anos.
Netanyahu é um mestre da política. Não irá entregar o poder tão facilmente. O líder da oposição e seus aliados têm agora sete dias para distribuir as pastas e obter o apoio da Knesset, o parlamento, que abre um período em que tudo ainda é possível. Netanyahu, seu partido de direita, o Likud, e seus advogados estão lutando para impedir que o primeiro acordo de coalizão sem ele em dois anos obtenha a aprovação parlamentar.
Netanyahu chegou ao poder pela primeira vez há 25 anos e governou de 1996 a 1999, antes de ser reeleito em 2009 - e nunca mais largou o comando do país. Sempre apresentou-se como um homem forte, por vezes populista. É adepto de uma visão de Israel como um "Estado-nação do povo judeu" - ignorando as diferentes etnias e fés da sociedade israelense (minoria árabe cristã e muçulmana, por exemplo). Assim, ajudou a sepultar o processo de paz com os palestinos e turbinou a expansão das colônias judaicas na Cisjordânia a fim de inviabilizar, territorialmente, a criação de um Estado vizinho.
Com o discurso da segurança de Israel em primeiro lugar, angariou muito apoio - e sempre que esteve perto de perder o poder, soube jogar com o medo e a ameaça de um país que está cercado por inimigos. Menos do que antes de Netanyahu, diga-se de passagem. Um de seus feitos no poder foi justamente construir relações com antigos adversários árabes, como Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Sudão, Marrocos e se aproximando da Arábia Saudita, em nome dos negócios e de uma aliança anti-Irã, cuja lógica é "o inimigo do meu inimigo é o meu melhor amigo".
Ainda que saia do governo, Netanyahu, no entanto, não deixará as manchetes dos jornais tão cedo. Sem imunidade que o cargo lhe garante, ficará mais perto de uma eventual prisão nos casos em que é réu por corrupção - acusações por suborno, fraude e abuso de poder. A promotoria acusa o mais longevo premier de Israel de "usar o grande poder do governo que lhe foi conferido para, entre outras coisas, pedir e obter benefícios impróprios de donos de importantes mídias de Israel para promover assuntos pessoais".