No sistema parlamentarista, eleições costumam ocorrer com frequência, sem grandes traumas ou turbulências políticas e econômicas. Não é o caso de Israel, que caminha para o quarto pleito em menos de dois anos imerso em forte instabilidade, polarização, clima de desconfiança na improvável (e forçada) aliança de governo, pandemia e um primeiro-ministro suspeito de corrupção que faz de tudo para permanecer no poder.
A Knesset, o parlamento, aprovou na quarta-feira (2) o projeto que prevê sua dissolução, abrindo caminho para a escolha de novos deputados. A ideia nasceu na oposição, mas recebeu apoio do ministro da Defesa, Benny Gantz, ao mesmo tempo parceiro da coalizão de governo com Benjamin Netanyahu e, provavelmente, seu maior rival político.
Como assim? Idiossincrasias do atual estado das coisas israelense: na última eleição - a terceira -, em abril, nenhum partido conseguiu maioria no parlamento para indicar o primeiro-ministro. Após semanas de impasse, que, tudo indica, acabariam em nova eleição, Gantz, do Partido Azul e Branco (de centro direita), e Netanyahu, do Likud (direita), concordaram em governar juntos. Eles se alternariam no poder, cada um por 18 meses - até assumir o cargo de premier, Gantz ficaria com o poderoso Ministério da Defesa.
Bibi, apelido de Netanyahu, está no poder há 10 anos e é investigado em vários casos de corrupção, mas, ao mesmo tempo, mantém boa popularidade. Ele precisa ficar no cargo para garantir imunidade. Sem ela, pode ser preso.
Com a possibilidade de entregar o cargo a Gantz em 2021, Bibi, graças a suas qualidades de malabarista político, pode ter encontrado uma brecha na legislação para forçar novas eleições. No novo pleito, ele pode até não ter como certa a vitória, mas há ganhos relativos: ficaria no poder até a disputa eleitoral, ganharia mais tempo para vacinar a população contra o coronavírus e, quem sabe, a economia entraria em recuperação. É uma cartada alta.
Qual seria a estratégia, segundo o jornal Yedioth Ahronot: Bibi e os deputados do governo votariam apenas uma versão de curto prazo do orçamento de 2020 (que até hoje está em aberto). Por si só, isso já contraria o acordo de coalizão, que obriga o governo a ter um plano de receitas e gastos de dois anos, incluindo 2021. Se orçamento for aprovado conforme o acerto, está tudo ok com o governo, e Bibi precisa passar o bastão para Gantz. Se a coalizão implode, por causa do orçamento, provoca nova crise interna, na aliança, e força a oposição a exigir mudança – que é o que está ocorrendo.
Isso mesmo: Netanyahu pode estar sabotando o próprio governo para se manter no cargo.