Há um verniz de paz e uma tentativa dos governos de Estados Unidos e Israel de vender como histórica a retomada das relações diplomáticas entre israelenses e as ditaduras do Bahrein e dos Emirados Árabes Unidos - daí o palco no gramado sul da Casa Branca, cuidadosamente montado para que a imagem de Donald Trump, Benjamin Netanyahu e os enviados do príncipe Mohammad bin Zayeb e do rei Hamad bin Isa al-Khalifa ganhasse ares de acordos célebres como entre Israel e Egito e Israel e Jordânia, além dos tratados de Oslo com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
Claro, é muito mais positivo do que negativo quando líderes sentam-se à mesa de negociações e assinam tratados, mas daí a vender a retomada de relações diplomáticas entre Israel e as duas ditaduras do Golfo Pérsico como um acordo histórico cuja paz é o principal objetivo não apenas é uma falácia como também esconde a verdadeira razão estratégica por trás da aproximação.
Falácia porque Israel, Bahrein e Emirados Árabes nunca se envolveram em conflitos armados - logo, se não houve guerra, não se trata de um acordo de paz. Israel também mantém há anos discretos laços com as monarquias do Golfo, que incluem troca de informações sobre segurança.
A função real da normalização das relações é isolar o Irã, formando uma grande aliança de Estados árabes sunitas e Israel contra os aiatolás e seus parceiros xiitas - incluindo grupos armados na Síria, no Iraque e no Líbano.
Não é de hoje que a questão palestina deixou de ser o principal motor das guerras na região - há uma percepção de que o Estado palestino dificilmente irá sair do papel, por motivos internos, dos próprios palestinos (corrupção) e divergências entre facções (Fatah e Hamas), e externos, com a descontinuidade territorial (devido aos assentamentos judaicos), presença militar israelense (manutenção da ocupação, que inviabiliza soberania da ANP na Cisjordânia), e o desinteresse dos vizinhos árabes em particular e da comunidade internacional em geral.
A grande rivalidade do Oriente Médio no século 21 situa-se entre as potências islâmicas, Irã e Arábia Saudita, que disputam a hegemonia na região. Nessa guerra fria local, há dois fenômenos que lembram a antiga tensão entre EUA e URSS: o primeiro, "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Logo, Israel e Estados Unidos escolheram seus aliados e o adversário comum, o Irã. Ainda não há acordo entre os sauditas e israelenses, mas ele pode se concretizar em pouco tempo - Bahrein e Emirados Árabes Unidos são quase como protetorados sauditas e a assinatura desta terça-feira (15) abre caminho para uma acerto dessa envergadura. O segundo fenômeno: as guerras por procuração, como no Iêmen, onde iranianos e sauditas se engalfinham indiretamente pelas mãos de grupos antagônicos locais.
Entre os palestinos, a sensação é de facada pelas costas desferida pelos irmãos árabes. A decepção pode jogá-los no colo do Irã persa. Embora também sunitas, como os sauditas, podem se sentir acolhidos pelo discurso radical de milícias, como o Hezbollah xiita, simpático à causa. O isolamento internacional também reforça as alas mais conservadoras em Teerã - e perdem espaço os reformistas. Isso significa que estratégias mais agressivas ganham força em detrimento do diálogo.
No campo doméstico americano, o acordo foi acelerado a tempo de Trump se vender como o artífice de um novo tempo no Oriente Médio durante a campanha eleitoral. Embora política externa pouco renda votos na disputa de 3 de novembro, seus simpatizantes - inclusive no Brasil - já o cacifam à Prêmio Nobel da Paz. O discurso de paz e amor, de quem aproxima nações inimigas, atrai o eleitor moderado.