A fórmula não é nova e obedece ao manual de governantes que, aproveitando-se dos altos índices de popularidade, flertam com o autoritarismo, corroendo, por dentro os pilares da democracia.
No último dia 1º, sábado, enquanto o mundo celebrava o Dia do Trabalho, El Salvador, pequeno país da América Central, dava um passo rumo à ditadura. A Assembleia Nacional dominada pelo partido do presidente Nayib Bukele decidiu pela destituição, por 64 votos a favor e 19 contrários (além de uma ausência), dos cinco juízes do Supremo Tribunal de Justiça e do procurador-geral do país.
Estados Unidos, Organização dos Estados Americanos (OEA), Organização das Nações Unidas (ONU) e boa parte da comunidade internacional consideraram o ato, que concentra todos os poderes do Estado na mão do presidente, um ataque à democracia e ao sistema de pesos e contrapesos.
A história ganhou eco no Brasil, por meio de meio da manifestação do deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro (PSL-SP): "Agora, o Congresso destituiu todos os ministros da suprema corte por interferirem no Executivo, tudo constitucional. Juízes julgam casos, se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se elegerem", escreveu o parlamentar em uma rede social. No mesmo dia, em diferentes capitais brasileiras, apoiadores do presidente Bolsonaro saíram às ruas criticando o Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e prefeitos que tomaram medidas para promover o distanciamento social como forma de evitar o contágio por coronavírus.
Em El Salvador, como na Venezuela de Nicolás Maduro, na Turquia de Recep Tayyp Erdogan, e na Hungria de Viktor Orbán, a democracia vem se esfacelando aos poucos. Bukele, que venceu a eleição em 2019 por um até então desconhecido partido chamado Novas Ideias, pôs fim ao bipartidarismo salvadorenho. O poder historicamente estava nas mãos ora da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN, de esquerda) ora da Aliança Republicana Nacionalista (Arena, conservadora). Apresentando-se como "independente", Bukele, 39 anos, ex-prefeito da capital, San Salvador, prometeu "uma nova era" no país e o combate à criminalidade.
Logo, a face autoritária se revelou, com imagens de presos de gangues rivais nus, amontoados nas mesmas celas, em plena pandemia _ a velha lógica de que "bandido bom é bandido morto". Depois, Bukele colocou na cadeia cidadãos sem acusações formais, além do fato de terem quebrado a quarentena. Eles foram enviados para os chamados "centros de contenção", onde pessoas saudáveis ficaram detidas com quem havia testado positivo para covid-19. Foram as primeiras rusgas com a Suprema Corte, que determinou que forças de segurança não podiam, legalmente, prender pessoas por não cumprirem o distanciamento social.
Agora, diante das críticas de boa parte do mundo a sua ofensiva contra a Justiça, ele mandou um recado pelas redes sociais - local onde se sente à vontade para governar e para se comunicar com sua base de apoio: "Aos nossos amigos da comunidade internacional: queremos trabalhar com vocês. Mas, como todo o respeito, estamos limpando a nossa casa. E isso não é da sua competência".
O governo e seus apoiadores no parlamento, onde Bukele conta com 64 dos 84 deputados, se baseiam no artigo 186 da Constituição que prevê a destituição de magistrados, se a decisão for aprovada por dois terços do Legislativo. A acusação contra os juízes é de que proferiram "sentenças arbitrárias". O Supremo bloqueou pelo menos 15 decretos de Bukele relacionados à gestão da pandemia, no ano passado, a maioria sob regimes de exceção.
Com a posse dos novos juízes, alinhados com o regime, Bukele, que já tinha maioria no parlamento, controla, agora, todos os poderes.