Em 2002, na última eleição de que participou, antes da invasão americana do ano seguinte, quando encontraria a morte, Saddam Hussein foi reeleito com 100% dos votos, de acordo com os resultados oficiais do Iraque. O percentual desta quarta-feira (26) na Síria, quando o ditador Bashar al-Assad será reeleito para o quarto mandato, não será tão descarado. Talvez algo em torno de 99% ou 98% dos votos ou um pouco menos para não dar tanto na vista. Em 2000, quando sucedeu ao pai, Hafez al-Assad, que morreu após liderar o país por três décadas, Bashar conquistou 97,2%.
Teatro, farsa, eleições injustas e fraudulentas. Escolha a expressão que quiser - e todas elas são verdades _, mas o fato é que Bashar é ainda popular. Mais: é um sobrevivente político, o ditador que ficou enquanto ao seu lado, Saddam, do Iraque, caiu em 2003, Zine el Abidine Ben Ali, da Tunísia, Hosni Mubarak, do Egito, e Muamar Kadafi, da Líbia, e Ali Abdullah Saleh, do Iêmen, foram apeados do poder durante a chamada Primavera Árabe.
Depois de derrubar, como efeito dominó, um a um dos ditadores, a série de revoluções populares chegou à Síria em março de 2011 de forma semelhante aos vizinhos: parte da população civil, estudantes, médicos, professores, pegou em armas, utilizando-se das redes sociais para se comunicar. Mas, na Síria, os ventos da Primavera foram estancados pela mão pesada do ditador e pelo contexto regional. Os bombardeios dos Estados Unidos ao grupo terrorista Estado Islâmico (EI) no Iraque defenestraram os extremistas para o outro lado da fronteira, na Síria. De olho na oportunidade de quem sabe formar seu país, os curdos passaram a lutar contra o EI. Logo, havia rebeldes, jihadistas, curdos, potências regionais e internacionais lutando entre si e Bashar, abraçado a seu exército, apegando-se à defesa de drusos, cristãos, alauítas e palestinos, contra todos. Homs, Daraa e Aleppo pagaram o preço da guerra.
Bashar reivindica a vitória na guerra. Por um lado, é verdade _ manter-se no poder _ e vivo, enquanto as cabeças de colegas rolaram - já é uma vitória e tanto. Ele sobreviveu em parte porque é mais inteligente, estratégico e soube apostar no longo prazo. Ao contrário dos vizinhos, não foi traído pelas forças armadas, porque sabia exatamente quem havia colocado em postos de comando, em especial generais próximos ao clã Assad e a sua minoria alauíta. Resistiu também porque foi mais cruel - se é que crueldade se mede -, em tempos modernos, do que os demais. Tem uma guerra civil de 10 anos, que deixou meio milhão de mortos, na sua conta, bombardeia hospitais, tortura presos em penitenciárias e teria usado armas químicas em pelos duas ocasiões contra sua própria população.
Então, sim, ele ganhou a guerra. Mas essa é uma meia verdade. Bashar só se manteve no poder porque a Rússia assim o quis. Não fosse o apoio do presidente Vladimir Putin - e por tabela o Irã dos aiatolás -, ele teria acabado como Saddam, Kadafi, Mubarak e companhia.
Reeleito nesta quarta-feira (26), consolidará meio século da dinastia Assad no poder. Quando herdou o poder do pai, em 2000, imaginava-se que Bashar, um oftalmologista formado no Reino Unido, então com 34 anos, laico e reformista, abriria alguma fresta à ditadura. Ao contrário, sua mão de ferro foi ainda mais impiedosa do que Hafez, especialmente depois do início da Primavera Árabe. Imprimiu um Estado policialesco e bradou que seria "ele ou o caos". Foram os dois. Bashar Al-Assad reina sobre um mar de sangue do caos da guerra síria.