A tormenta que se abate sobre o Oriente Médio, desta vez, tem causas específicas, como o despejo de famílias palestinas de um bairro de Jerusalém Leste, a confluência de datas importantes dos calendários judaico, o Yom Yerushalayim, o Dia de Jerusalém, e muçulmano, o Laylat al-Qadrs, a Noite do Poder, em meio ao Ramadã, e frustrações e desejos latentes. Mas a alguns interessa mais que a roda de insanidade das ações e reações volte a girar e a provocar mortes e feridos justamente agora. Vamos a eles:
Os extremistas do Hamas estão aproveitando a oportunidade para se lançar como representantes legítimos dos palestinos, diante do enfraquecimento da Autoridade Nacional Palestina (ANP), que, há anos, vem se mostrando incapaz de melhorar a vida do povo que representa. Nem de longe lembra a entidade que, com Yasser Arafat, um dia sentou-se à mesa de negociações com Israel para negociar os termos de uma paz duradoura em nome dos interesses palestinos. O risco é de uma população frustrada, empobrecida e fragilizada ainda mais pela pandemia de coronavírus se jogar nos braços dos radicais do Hamas, entendendo que eles são seu verdadeiro representante.
Do lado israelense, quem tem a ganhar com a escalada da violência é o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que se agarra ao poder para evitar a prisão, caso seja condenado no julgamento no qual é réu por corrupção. Trata-se da cena típica de série de política americana na qual, quando um presidente é ameaçado, ele "inventa" uma guerra como cortina de fumaça. Mudam os personagens e os lugares, mas a história segue valendo. Colocando gasolina na situação já explosiva, Netanyahu passa a imagem de um líder forte, busca unir a população contra o inimigo comum e conduz seus adversários de direita a questionaram a si próprios se esta seria a hora ideal para mudança - em pleno momento em que a oposição negocia formar um novo governo que excluiria Netanyahu.
Em nível regional, indiretamente, ganha o Irã, com a lógica do quanto pior melhor. No momento em que os Estados Unidos do governo Joe Biden buscam reativar o acordo nuclear com os aiatolás, a instabilidade apressa os planos da Casa Branca para sentar à mesa de negociações - algo que Israel não vê com bons olhos.
Se alguns ganham, obviamente, outros perdem.
Em primeiro lugar, os próprios palestinos, cada vez mais distantes do sonho de seu Estado independente, hoje praticamente inviabilizado pela ocupação israelense da Cisjordânia.
O recrudescimento do conflito também não interessa à oposição israelense, que, pela primeira vez em vários anos, está muito perto de chegar ao poder, formando um governo que une diferentes matizes (sionismo religioso, direita laica, frente de partidos árabes e até um partido islamista que emergiu na última eleição) na lógica do todos contra Netanyahu. A guerra desvia o foco e reforça a liderança do premier.
Também não interessa aos países árabes vizinhos, que, há algum tempo, parecem ter abandonado os palestinos à própria sorte, cansados da gestão da ANP e mais interessados em fazer comércio com Israel. Aliás, nos últimos anos, com mediação do ex-presidente Donald Trump, ditaduras árabes como o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos retomaram relações diplomáticas com os israelenses para isolar o Irã, dentro da lógica do "inimigo do meu inimigo é meu amigo".
Em última análise, a violência não atende nem mesmo aos EUA, que gostariam de negociar com calma os termos da retomada do diálogo com o Irã, para não passar a ideia interna de capitulação (especialmente diante da oposição republicana) e porque vai na contramão do interesse de Biden de recuar politicamente na região. Os foguetes do Hamas e a resposta dura de Israel não deixarão a Casa Branca simplesmente virar as costas para o problema.