Quase 300 pessoas ficaram feridas nesta segunda-feira (10), a maioria palestinos, em novos confrontos com forças de segurança de Israel na Esplanada das Mesquitas de Jerusalém (chamada de Monte do Templo pelos judeus), após um fim de semana de distúrbios na Cidade Sagrada. Na manhã desta segunda-feira (10), foguetes foram lançados da Faixa de Gaza, território dominado pelo grupo extremista Hamas, contra Israel.
Diante do aumento da violência, o Conselho de Segurança das Nações Unidas deve se reunir ainda nesta segunda para abordar a situação em Jerusalém. O temor é de uma nova Intifada, revolta palestina.
1 A causa imediata
A retomada dos confrontos coincide com a celebração, no calendário judaico, do "Dia de Jerusalém", ou "Yom Yerushalayim", celebrado a partir da noite de domingo (9) até o início da noite de segunda-feira (10), que marca a reunificação e o estabelecimento em definitivo do controle político e militar sobre a totalidade da Cidade Sagrada pelos israelenses. Essa conquista ocorreu a partir da ocupação da parte leste da cidade (Jerusalém Leste ou Jerusalém Oriental, onde fica a Cidade Velha) ao final da Guerra dos Seis Dias, em 1967. Há várias celebrações religiosas, desfiles em homenagem aos militares israelenses que tombaram no conflito, além de espetáculos com música e dança.
A demonstração de nacionalismo gera revolta entre os palestinos. Desde domingo (9), centenas de manifestantes atiraram projéteis contra as forças de segurança israelenses na Esplanada das Mesquitas.
Outra causa recente da tensão em Jerusalém Leste é o futuro de quatro famílias palestinas ameaçadas de despejo no bairro de Sheikh Jarrah. Por decisão de um tribunal regional israelense, elas devem devolver os terrenos a famílias judias. O local abriga um espaço sagrado para os judeus: a tumba de Simeão, o Justo, sumo sacerdote por volta de 300 a.C. Pela lei, se judeus provarem que suas famílias viviam em Jerusalém Leste antes de 1948 (data da fundação de Israel), eles podem pedir a restituição de seus direitos de propriedade.
Diante do risco de a violência aumentar, a Suprema Corte israelense adiou uma audiência sobre o caso prevista para esta segunda-feira (10).
2 O pano de fundo
O status de Jerusalém é o ponto mais sensível das discussões em qualquer plano de paz ou formação de dois Estados - um israelense e outro palestino. Sagrada para as três grandes religiões monoteístas (judaísmo, islamismo e cristianismo), a cidade é considerada pelos judeus sua "capital única e indivisível", o que os palestinos e boa parte da comunidade internacional não reconhecem - tanto que a maioria dos países mantém suas embaixadas em Tel Aviv.
Uma área pequena, chamada de Cidade Velha, concentra todas as divergências. Essa região fica em Jerusalém Leste, ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias. Ali estão, além dos locais sagrados do cristianismo - o Santo Sepulcro (de onde Jesus, para os cristãos, ressuscitou) -, do judaísmo (o Muro das Lamentações) e do Islã (as mesquitas de Al-Aqsa e o Domo da Rocha).
Para os judeus, o Muro das Lamentações é o local mais sagrado de sua religião, resquícios do Templo de Salomão. Só que ele está posicionado logo abaixo da Esplanada das Mesquitas, onde ficam os templos islâmicos. Para o Islã, Jerusalém é a terceira cidade mais sagrada - depois de Meca e Medina, na Arábia Saudita.
Em termos políticos, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) reivindica a parte leste de Jerusalém como capital do Estado Palestino.
Originalmente, o plano de partição da Palestina da ONU (1947) previa Jerusalém como território internacional. Israel foi ocupando militarmente a área e hoje detém a administração sobre a região. Em 1967, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 242, que determinava a retirada das forças israelenses dos territórios ocupados. Israel não acatou a resolução, e em 1980, a Knesset (parlamento) aprovou a Lei Básica de Jerusalém, que considera a cidade capital "unida e indivisível" de Israel. Uma outra resolução, de número 478, do Conselho de Segurança da ONU considera nula essa decisão - o que, dentro de Israel, não muda nada na prática.
3 Pandemia
A despeito da crise política e das ameaças de violência pelos vizinhos, Israel, em meio à pandemia, dá exemplo ao mundo de país que priorizou o combate à pandemia e a vacinação da população. Graças à exitosa campanha de imunização liderada pelo governo Netanyahu, a vida praticamente voltou ao normal. País com maior proporção de pessoas vacinadas, Israel registrou queda de 99% no número de mortes diárias por covid-19 desde o pico de óbitos. Dados do Our World in Data mostram que Israel vacinou 63% da população com pelo menos a primeira dose. Mas enquanto Israel tem a mais avançada campanha de vacinação do mundo, os palestinos seguem com a imunização atrasada. Na Cisjordânia, os hospitais estão em colapso, e a área já vive a terceira onda. Em Gaza, as infecções aumentaram para mais de mil novos casos diários. Há grave escassez de vacinas.
4 Violência, o ciclo de ação e reação
A situação tem se deteriorado nas últimas horas. Entre domingo e segunda-feira, centenas de palestinos atiraram projéteis contra as forças de segurança israelenses na Esplanada das Mesquitas. Segundo a lógica do círculo vicioso de ação e reação entre israelenses e palestinos, os israelenses responderam. Ao longo do dia, um carro que transportava israelenses foi atacado com pedras e perdeu o controle, antes de avançar na direção dos palestinos. Depois que parou, várias pessoas atacaram o veículo. Um policial israelenses dispersou a multidão com tiros para o alto.
A partir da Faixa de Gaza, território palestino controlado pelos radicais do Hamas, foram lançados balões incendiários e ao menos sete foguetes contra Israel em apoio aos manifestantes de Jerusalém.
Em represália, tanques israelenses atacaram posições do Hamas no sul da Faixa de Gaza. O país também fechou a passagem de fronteira de Erez, a única que permite aos moradores de Gaza entrar em Israel.
5 Turbulência política interna
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel (do Partido Likud, de direita), imprimiu como marca de seu mandato de 12 anos a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia. O país vive uma turbulência política devido à falta de acordo para a formação de um governo e após várias eleições em que nenhum grupo político conseguiu maioria no parlamento. Na quarta-feira (5), Netanyahu não conseguiu formar uma coalizão de governo, após o fim do prazo dado pelo presidente Reuven Rivlin. Agora, se a oposição conseguir formar um governo de unidade, este seria o ponto final de mandato de Netanyahu. A bola está nas mãos do líder de centro Yair Lapid. Ele está disposto a oferecer o cargo de primeiro-ministro ao direitista Naftali Bennett para dobrar em número os assentos no Knesset, com a finalidade de alterar o equilíbrio de forças israelenses. Ele tem até 2 de junho para formar o governo. Caso não consiga, haverá novas eleições.
No domingo (9), Netanyahu disse que determinaria o respeito "à lei e à ordem" e defendeu a ampliação das colônias judaicas na parte leste de Jerusalém. O premier, réu em processo por corrupção - e, enquanto estiver no cargo tem imunidade -, parece ter apostado na força nos possíveis últimos dias no cargo. Por outro lado, líderes palestinos parecem ter dobrado a aposta para pressionar por maior turbulência em momento sensível da política israelense.
6 Tragédia religiosa
Israel está ainda vivendo o luto de uma tragédia interna vivida no último dia 30, quando um tumulto durante o festival religioso do Lag B'Omer deixou 45 mortos e mais de cem feridos no Monte Meron. Pessoas caíram de uma arquibancada, o que causou o tumulto, com pessoas tentando sair por uma passagem estreita. O evento marcou o início da retomada das grandes celebrações (religiosas ou não) em Israel, depois do relativo controle da pandemia. O Dia de Jerusalém, estopim da atual revolta, também seria um momento de celebrar o retorno a uma certa normalidade.
7 Cenário internacional
O governo dos Estados Unidos, principal aliado de Israel, pediu às autoridades israelenses e palestinas que atuem para acabar com a violência e expressou preocupação com a "possível expulsão das famílias palestinas de Sheikh Jarrah". Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão - países árabes que normalizaram as relações com Israel - expressaram "profunda preocupação" e pediram calma a Israel, assim como o Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, Rússia, ONU e União Europeia), que pediu "moderação".
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu a Israel a interrupção das demolições e expulsões, de acordo com suas obrigações estipuladas pelas leis internacionais. A Turquia afirmou nesta segunda-feira (10) que Israel "deve parar de atacar os palestinos em Jerusalém e impedir que os ocupantes e os colonos entrem na sagrada mesquita (de Al Aqsa)". O risco de que a situação saia do controle e se viva uma nova Intifada, revolta palestina, é real.