Desde o início da pandemia, pelo menos 12 eleições foram adiadas na América Latina a fim que fossem evitadas aglomerações que pudessem agravar a crise sanitária. O primeiro país da região a realizar um pleito em tempos de covid-19 foi a República Dominicana. Depois, foi a vez da Bolívia. O Chile resolveu na semana passada postergar a disputa, prevista inicialmente para 10 e 11 de abril, para 15 e 16 de maio. Mas Equador e Peru decidiram, apesar da pandemia, manter as eleições presidenciais.
O processo eleitoral é um momento do julgamento dos governos pela má gestão da pandemia, na região que, hoje, é epicentro da tragédia da covid-19. O impacto da pandemia no cenário eleitoral é uma sensação ou de desânimo ou de descontentamento, que eventualmente pode ser convertida em uma força para mudança no comando da nação.
O Equador, que realizou o segundo turno neste domingo, foi um dos primeiros países latino-americanos a ter o sistema de saúde e funerárias colapsadas. O resultado eram corpos pelas ruas e cadáveres dentro de casa por dias, sem enterro, em Guayaquil. À época, a jornalista equatoriana Susana Morán, autora de uma reportagem intitulada "Morrendo duas vezes em Guayaquil", no site de notícias Plan V, disse à coluna, por telefone:
A pandemia derrubou cinco ministros da Saúde. A polarização política, fenômeno comum em todo o subcontinente, no Equador é aprofundada pelo fantasma do ex-presidente bolivariano Rafael Correa. Mesmo morando na Bélgica, porque, se voltar a seu país será preso para cumprir pena de oito anos de reclusão por corrupção, ele foi o ausente mais presente do primeiro turno. Seu afilhado político Andrés Arauz venceu o pleito com ampla margem sobre o segundo colocado, o banqueiro de centro-direita Guillermo Lasso. A disputa do segundo turno, entretanto, é incerta.
O Peru, nação que realiza neste domingo o primeiro turno, vive drama semelhante ao do vizinho. O colapso dos hospitais produziu cenas de pessoas desesperadas para a compra de oxigênio no mercado paralelo em Lima. Quando a vacina chegou, um escândalo de fura-filas derrubou dois ministros, da Saúde e das Relações Exteriores. Não fosse a pandemia, o Peru já teria problemas suficientes para que essa eleição fosse uma nova chance para um país traumatizado com os políticos - está no quarto presidente, Francisco Sagasti, desde a renúncia do Pedro Pablo Kuczynski e as saídas do vice Martín Vizcarra e do presidente do Congresso Manuel Merino. Antes, escândalos envolvendo empreiteiras brasileiras levaram à prisão três ex-presidentes e ao suicídio do quarto, Alan García, no momento em que seria detido.
Tamanha crise política gerou um efeito curioso no processo eleitoral: o grande número de candidatos à presidência. São 18, no total, que vão da extrema-direita, representada por Rafael López Aliaga, considerado o "Bolsonaro peruano", até a esquerda, Pedro Castillo, passando por velhos conhecidos, que representam o passado da América Latina, como Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, em sua terceira tentativa de chegar à Casa de Pizarro.
Tanto Equador quanto Peru vivem os efeitos colaterais da pandemia: forte queda da economia, aumento da pobreza, exclusão social. Nem a vacinação, que deveria ser uma luz no fim do túnel, desperta esperança. O Equador aplicou apenas 2,02 doses por cem habitantes; o Peru, 3,11 doses por cem habitantes.