Há duas formas de olhar para o primeiro lugar do candidato da esquerda Andrés Arauz, que irá disputar o segundo turno da eleição presidencial no Equador com o líder indígena Yaku Pérez ou com o conservador Guillermo Lasso (a disputa pelo segundo lugar seguia indefinida).
A primeira é o certo cheiro de mofo representado por um modelo falido do bolivarianismo, que ameaça voltar ao Palácio Carondelet. Apesar da nova roupagem, Arauz, economista formado nos Estados Unidos e com apenas 36 anos, ele é herdeiro político do ex-presidente Rafael Correa, discípulo de Hugo Chávez nos anos de ouro da esquerda latino-americana no poder.
Se vencer no segundo turno, em abril, ele promete uma "revolução cidadã 2.0", repetindo o movimento do padrinho político exilado na Bélgica e condenado em seu país por corrupção. O que isso significa: a retomada da cartilha correísta de gastos públicos exacerbados, políticas de redistribuição de renda e investimentos em infraestrutura.
A diferença em relação ao governo de Correa, de 2007 a 2017, é que boa parte de seu mandato ocorreu durante o chamado boom das commodities no subcontinente. Hoje, o vento virou, a fonte quase secou (os preços do petróleo, responsável por 44% do Produto Interno Bruto, PIB, estão em baixa) e a pandemia aprofundou desigualdades econômicas _ o PIB do país caiu nove pontos em 2020 e o desemprego dobrou nos últimos nove meses. Além disso, um eventual governo Arauz terá de lidar com o compromisso assumido pelo atual presidente, Lenín Moreno, junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que obriga o Estado equatoriano a reduzir os gastos públicos, como parte da renegociação da dívida soberana. Ou seja, se aparecer, a nova variante do "Socialismo do Século 21", não será como antes devido a essas limitações. Embora, um possível calote no FMI não possa ser descartado.
A segunda forma de olhar para a possível vitória de Arauz é o ânimo que ele representa para a esquerda no continente de reviver a chamada "onda rosa", quando vários países eram governados por partidos desse espectro político — além da tríade Venezuela-Bolívia-Equador, o Chile de Michelle Bachelet, o Uruguai de José Mujica e Tabaré Vázquez, o Paraguai de Fernando Lugo, a Argentina do casal Kirchner e o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Desde 2018, Andrés Manuel López Obrador governa o México. No ano passado, a vitória de Luis Arce na Bolívia trouxe de volta o Movimento ao Socialismo (MAS), de Evo Morales, ao Palácio de Quemado. Antes, Alberto Fernández e Cristina Fernández Kirchner, devolveram a Casa Rosada aos peronistas — que podem ser tudo, inclusive de esquerda _, na Argentina. Aliás, o plano de Arauz e Correa era importar o modelo vitorioso da dupla Fernández-Fernández na Argentina, trazendo o ex-presidente como vice e, assim, driblar em parte a rejeição do parceiro, ao mesmo tempo em que surfa em sua popularidade. A Justiça Eleitoral equatoriana barrou que Correa pudesse se inscrever do Exterior. E o risco de Correa ser preso ao pisar em Quito impediu o ex-governante de voltar ao país. Por enquanto, apenas seu fantasma segue operando nos bastidores da política equatoriana — e, pelo visto, com algum sucesso.