Um grupo de mulheres no Brasil vem buscando denunciar a fraude eleitoral e os desmandos daquela que é conhecida como a última ditadura da Europa, Belarus, a antiga Bielo-Rússia.
Na disputa de 2020, Alexander Lukashenko, no poder desde 1994, venceu Sviatlana Tsikhanoushkaia, líder da oposição. Mas o pleito foi amplamente marcado por irregularidades. Por vários dias, manifestantes protestaram nas ruas. Lukashenko, conhecido pela mão de ferro, afirmou que não haverá novas eleições até que ele seja morto. Líderes de China, Rússia e ex-repúblicas soviéticas validaram a eleição. Mas boa parte da comunidade internacional não reconheceu o resultado do pleito. A União Europeia aplicou sanções econômicas ao país.
Nesta terça-feira (9), ocorre o Dia Internacional de Solidariedade com Belarus. Há quatro anos no Brasil, a ativista bielorrussa Anastasiya Golets é uma das integrantes das chamadas Embaixadas Populares de Belarus, presente em vários países como forma de pressão política contra o governo de Lukashenko. A partir das 17h desta terça-feira, ela e outros representantes do movimento participam de evento organizado pela confraria política Paz, de Porto Alegre. Veja como participar ao final do texto.
Antes da reunião, Anastasiya conversou com a coluna.
Vocês estão presentes em quantos países?
Estamos presentes principalmente nos países europeus. Na América Latina, só no Brasil. Na Europa, estamos na Polônia, Lituânia, França, Alemanha, Espanha, Portugal, Finlândia e alguns outros países que estão se associando.
O grupo teve início no Brasil por iniciativa de vocês ou houve articulação em nível internacional por parte da oposição bielorrussa?
A gente se articulou primeiro de forma independente, os bielorrussos no Exterior e no Brasil começaram a se procurar através de redes sociais, depois da onda de violência que se seguiu à fraude eleitoral. A gente já tinha um pequeno grupo articulado, quando recebemos a notícia de que haveria um congresso mundial de bielorrussos no Exterior, que ocorreu de forma virtual. Durante esse congresso, foi oficializada a criação das chamadas Embaixadas Populares, essa forma mais regularizada de diásporas bielorrussas. Mas nem todos os países adotam adotam esse nome, porque, dependendo da legislação local, pode trazer algum tipo de problema. Em alguns países, em vez de embaixadas populares, adotam o nome de posto de informação ou consulado popular. O nome pode variar, mas a ideia é a mesma: uma rede de embaixadas populares criada por iniciativa da líder do movimento Belarus Democrática, Sviatlana Tsikhanouskaia.
Como vocês têm feito essa pressão? Há contatos com governos ou organismos internacionais?
Cada unidade de embaixada popular faz o que pode, o que está a seu alcance. Nossa comunidade é bem pequena. Encontramos cerca de 15 participantes (no Brasil), todas mulheres. Quando a comunidade é maior, como no caso da Alemanha e do Canadá, fazem pressão mais política. O que a gente faz principalmente é contato com jornalistas, tentamos não deixar desaparecer da pauta brasileira o assunto Belarus. Começamos a fazer produção de vídeos de notícias semanais e publicá-los nas redes sociais. Qualquer brasileiro pode acessar, porque tem legenda em português, e receber informações atualizadas. Também temos dois projetos maiores: gostaríamos de iluminar a estátua do Cristo Redentor com nossas cores nacionais, algo que já aconteceu em grandes monumentos dos países europeus e da América do Norte. E também planejamos fazer uma exposição fotográfica no Museu Nacional em Brasília sobre mulheres e protesto, porque as bielorrussas tiveram grande participação na luta pela democracia. A cara das manifestações em grande parte foi feminina.
Como está a situação hoje em Belarus?
Lá, devido à grande violência policial, o protesto adotou uma forma diferente. Ao invés de ser uma grande coluna de pessoas no centro da cidade, começaram a fazer manifestações em formatos menores, nos próprios bairros, para dispersar um pouco a atenção policial. Quando se tem muitos pequenos protestos em vários lugares da cidade, as viaturas policiais demoraram a se deslocar. O número de aumentava muito, aí o pessoal adotou essa forma que, às vezes, não é tão visível por ser algo menor, mas que continua. Antigamente, você recebia uma multa por participar de um protesto ou às vezes 10 dias ou até um mês de prisão, agora a pena aumentou. Não está na lei, mas estão aplicando penas de um a dois anos de prisão por causa de participação pacífica nas manifestações. Talvez isso tenha assustado um pouco as pessoas.
A reivindicação de rejeitar o governo, libertar presos políticos, punição dos culpados e realização de novas eleições, lembra um pouco a Venezuela. O movimento pensa em criar um governo paralelo, como o de Juan Guaidó em Belarus?
A gente já tem a chamada administração anticrise. Não tem o nome oficial de governo nem os parâmetros para isso, mas é um conjunto de especialistas, que lida com determinadas áreas: pessoas especializadas em assuntos econômicos, pensando em como fazer para que o país saia da crise, quando o Lukashenko for embora, há o pessoal especializado no Ministério dos Assuntos Internos, da polícia, em refletir como vai ser a reforma da corporação, gente especializada na área de relações internacionais. São núcleos de especialistas altamente qualificados que trabalham para desenvolver reformas a favor de nova Belarus, mas ainda não podemos chamar isso de governo. Não tem oficialmente nada disso, nem pretensão disso. A ideia é que Sviatlana volte para Belarus (ela está na Lituânia), que Lukashenko saia e que ela, como presidente eleita, possa fazer novas eleições presidenciais, libertando os presos políticos. Assim, as pessoas poderiam se candidatar novamente e aí o povo votaria em quem quisesse. A própria Sviatlana se considera uma candidata técnica, que não pretende governar o país. Ela apenas vai realizar novas eleições presidenciais, depois sairá.
Por que o movimento no Brasil é integrado apenas por mulheres. Os homens não se mobilizaram?
A gente até localizou alguns homens, não eram muitos, mas eles não se manifestaram, infelizmente.
O governo russo, do presidente Vladimir Putin, foi determinante para que Lukashenko não caísse?
Putin sempre foi determinante para os assuntos econômicos. O governo Lukashenko não faz uma boa administração da economia. Ele precisa de empréstimo, e Putin sempre o auxiliou também com preços de petróleo e gás bastante reduzidos. Como Putin foi uma das pessoas que reconheceu o governo dele, acho que teve grande apoio, sim.
De onde vem a força de Lukashenko para se manter no poder?
São militares, policiais. Temos a maior concentração de policiais por pessoa na Europa, uma das mais altas no mundo. A gente não precisa disso, não temos ameaças como terrorismo, grande tráfico de drogas. É um aparato militar-policial excessivamente grande, que recebe várias regalias. Eles apoiam o regime, mas, por outro lado, são bastante pressionados. Há uma série de punições, caso saiam. Você não pode sair, você vai ser perseguido e preso, então há um medo por parte deles.
Existe risco de a Rússia invadir Belarus, como fez com a Ucrânia por causa da Crimeia?
É um assunto muito discutido. Atualmente, nem os próprios bielorrussos sabem responder direito. Há várias opiniões. Prefiro acreditar na opinião dos observadores, que afirmam que a Rússia está bastante enfraquecida depois da pandemia da covid-19, da anexação da Crimeia, que já gastaram muito dinheiro. Então, para eles investirem esforço em homens em nosso território seria um grande gasto que já não têm. Mas há também depoimentos de manifestantes que viram policiais russos durante as manifestações e relatam terem sido espancados por homens que diziam vir de Moscou, mas não é algo confirmado oficialmente.
Vocês tentaram algum tipo de interlocução com o governo brasileiro?
Não tentamos. Somos um grupo pequeno, preferimos por enquanto focar nos jornalistas e em projetos culturais. A única coisa que a gente faz é enviar notícias para um grupo de deputados bielorrussos-brasileiros no Congresso (Grupo de Amizade). A gente nunca recebeu resposta deles.
Como participar
A confraria de política Paz, de Porto Alegre, realiza nesta terça-feira (9) evento para discutir a situação de Belarus, como parte do Dia Internacional de Solidariedade de Belarus. O debate ocorrerá de forma virtual, por meio da plataforma Zoom.
Às 17h, clique aqui
ID da reunião: 634 920 9960
Senha de acesso: 094199
Quem vai participar
- Embaixador aposentado PAULO ANTONIO PEREIRA PINTO. Ele foi embaixador em Minsk, sugeriu a pauta e conectou nosso grupo a EPB. Fará as considerações do ponto de vista de quem viveu de perto a realidade de Belarus
- Direto de BELARUS: Aliaksei Lavonchik - jornalista cidadão e consultor independente de novas mídias. É idealizador da organização BY Help que conscientiza e arrecada fundos para apoiar processos judiciais de ativistas e jornalistas presos pelo governo. Especializado em Jornalismo cidadão, novas mídias, tecnologias sociais, Web 2.0, relações internacionais, negociações interculturais e análise política.
- Falando do BRASIL: Anastasiya Golets - bielo-russa formada em turismo pela Universidade Estatal de Belarus, doutoranda da Universidade de Brasília e tradutora. Ativista da comunidade bielo-russa no Brasil, participante da iniciativa Embaixada Popular de Belarus no Brasil. Foi assistente administrativa da embaixada brasileira em Minsk e da embaixada bielo-russa em Brasília.
- VOLHA YERMALAYEVA FRANCO - mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA, onde faz pesquisa sobre patrimônio de Belarus. Professora de línguas bielo-russa e russa.
- PATERSON FRANCO COSTA - doutorando em Literatura e Cultura, mestre em Tradução Inter semiótica e bacharel em Língua Estrangeira pela UFBA. Autor do livro Cinema em Exílio: Tradução e Política na Belarus Pós-soviética (2020). Autor e ilustrador dos romances URSS 2.0 (2016) e Assim na Terra como em Marte (2019). Áreas de pesquisa: Belarus, Estudos Culturais Pós-Soviéticos, Tradução e Legendagem.