Por Cláudia Laitano, Daniela Sallet, Gunter Axt, Juliano Corbellini e Marcos Rolim
Integrantes da Confraria Paz
Nesta sexta-feira, 16 de outubro, completam-se quatro anos desde a morte de Plínio Alexandre Zalewski. Muito provavelmente, ele não suportou um tipo de ataque que passou a ser comum desde que a intolerância se converteu em paisagem. Plínio havia acumulado uma importante experiência na militância política e se construído como um quadro qualificado na gestão pública.
Ao longo de sua vida, se envolveu intensamente com a ideia da renovação ética das práticas políticas, articulando projetos e iniciativas que valorizavam a democracia e a participação cidadã. Leitor apaixonado, era tranquilo, gentil e comprometido em superar as superfícies por onde o autoritarismo constrói a cultura do “cancelamento” e por onde começam todas as ameaças.
Logo após o trágico evento, um grupo de amigos do Plínio, que prezavam especialmente a disposição pelo debate respeitoso, propuseram a formação de uma confraria, algo como uma associação de homens e mulheres livres. A expressão evoca o convívio fraterno, aquele que se realiza na medida em que reconhecemos no outro a humanidade que nos define. A ideia, tão simples, foi a de aproximar pessoas interessadas em temas relevantes – da política, da cultura, das ciências –, independentemente de suas inclinações político-ideológicas, para encontros mensais de debate franco, quase sempre aberto por pessoa convidada, especialista no tema selecionado.
E para que objetivo tais pessoas deveriam se reunir? Com que propósitos políticos? Nenhum propósito além do prazer em interagir, em transitar por uma zona não marcada por interdições, e deslocar-se pela força de argumentos sólidos. Nenhuma estratégia, salvo a firme determinação de resistir ao “espírito do tempo” (Zeitgeist) e à distopia que vai se tecendo a cada vez que a estupidez é normalizada.
Tomamos, então, as iniciais do nome de nosso amigo ausente, e chamamos nossos encontros de Confraria Paz. A paz pressupõe a lei civil e se traduz, em sua forma mais avançada, na construção desse magnífico artifício que costumamos identificar pelo nome de democracia. Em um Estado Democrático de Direito, como se sabe, todos possuem garantias fundamentais que não podem, aliás, ser suprimidas por maiorias eventuais; compreensão corporificada no instituto das chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição Federal (art. 60, § 4º).
Por conta desses direitos, não há “ponta de praia” aos dissidentes, nem metralha para os hereges. Pelo contrário, nos interessam os olhares desviantes, as sensibilidades diversas e, sobretudo, as dúvidas pertinentes, já que elas originam o pensamento.
Com esses pressupostos, temos nos reunido há quatro anos, ouvindo pessoas das mais diversas formações e posicionamentos, todas, claro, dentro do campo civilizatório demarcado pela Constituição Federal de 1988. A experiência tem nos oferecido ensinamentos que emergem da diversidade e permitido, a cada um dos professores, pesquisadores, servidores públicos e profissionais liberais que integram a confraria, o convívio em uma pequena polis – desde o início da pandemia, virtual – onde a reflexão é sempre bem-vinda.
É preciso reconstruir espaços públicos para que as palavras transitem por sobre os muros que resguardam o poder e a mentira. Nesses espaços, podemos nos reconhecer politicamente como iguais e legitimar a razão dissonante. A Confraria Paz é uma gota em um oceano turbulento cada vez mais avesso ao debate e à razão. Nada impede, entretanto, que experiências como ela se disseminem, semeando o respeito, ao invés do escárnio; as evidências, ao invés dos dogmas; a solidariedade ao invés do egoísmo e a compaixão ao invés da indiferença. Plínio, por certo, apreciaria muito essa missão.
Homenagem
A Confraria Paz é informal e foi fundada por Cesar Busatto, Cláudia Laitano, Flavio Presser, Gustavo Ferenci, Juliano Corbellini, Léo Voigt e Marcos Rolim. Atualmente possui 24 integrantes e se reúne quinzenalmente em encontros virtuais. Contato: leovoigt@terra.com.br.