Mike Pence não foi um vice-presidente brilhante. Daqueles que fazem história e, como John Adams, Thomas Jefferson, Richard Nixon, Lyndon Johnson, George H. Bush e o próprio Joe Biden, acabam por se cacifarem a suceder o chefe, chegando também eles ao posto de presidente dos Estados Unidos.
Durante o mandato de Donald Trump, Pence foi ofuscado pela onipresença do chefe na mídia ou por secretários empoderados, como Mike Pompeo, o secretário de Estado que quase começou uma guerra contra a Venezuela, com o apoio de setores ideológicos do Planalto, ou por figuras de segundo escalão que ganharam protagonismo graças à relação próxima com presidente, como o ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton e o genro Jared Kushner, assessor sênior da Casa Branca.
Com perfil baixo, Pence, o sexto político nascido em Indiana a se tornar vice-presidente, no entanto, deve deixar um legado importante à democracia dos Estados Unidos em seu último ato como presidente do Senado (nos EUA, o vice também exerce o cargo parlamentar). Conforme conversas divulgadas pela rede CNN, ele deve rejeitar a pressão de Trump para bloquear a a certificação de Joe Biden na sessão prevista para a tarde desta quarta-feira (6).
A cada quatro anos, passado o dia da eleição e a confirmação do vitorioso pelo colégio eleitoral, a reunião das duas casas no Capitólio seria mera formalidade. Apenas ratificaria a decisão dos eleitores e do mais alto órgão eleitoral americano. Mas, como Trump contesta o resultado das urnas e até agora não aceitou a derrota, o evento ganhou uma dose de tensão.
Às vésperas da certificação da vitória de Biden pelo congresso americano, Trump pressionou seu vice a acompanhá-lo na narrativa de negação da derrota.
- Tenho de dizer: espero que Mike Pence se manifeste. Espero que o nosso grande vice-presidente nos represente. Ele é um ótimo cara. Claro, se ele não se manifestar, não gostarei tanto dele - afirmou durante comício na Geórgia, no final de semana.
No entanto, conforme fontes da Casa Branca disseram à rede CNN, Pence já teria informado ao chefe que não tem autoridade para bloquear a certificação da vitória do presidente eleito. Ele teria tomado a decisão, conforme a emissora, após ser aconselhado por assessores de que não lhe cabe esse poder.
Embora membro do Tea Party (movimento conservador ligado ao Partido Republicano que contribuiu para ascensão de Trump) durante a década inteira em que esteve no Congresso, Pence, desta vez, pensou mais em seu legado e futuro político do que na fidelidade incondicional ao presidente.
Depois que o Congresso rarificar o resultado do colégio eleitoral, não há volta. No máximo, Trump pode não querer comparecer à cerimônia de posse, no dia 20, em Washington. Mas essa seria outra história - no campo "da birra", do desejo pessoal, da megalomania. Legalmente e dentro das regras políticas, acabou.
A se confirmar sua decisão, Pence ganha pontos com seus eleitores, respeito de adversários e adia o fim de sua carreira política. Por vias tortuosas, terá contribuído com a democracia americana e a salvado de uma manobra com tons de fraude.