Os relatos de políticos, funcionários públicos e cidadãos comuns furando a fila da vacinação contra a covid-19, que começam a aparecer por aqui, como mostram Humberto Trezzi e Vitor Rosa, não são excepcionalidade brasileira. Em países onde campanhas de imunização contra o coronavírus começaram antes, há relatos de autoridades que se valeram do cargo para obter vantagens e se vacinar - ou mesmo de médicos que furtaram lotes de produtos para levá-los a seus familiares.
Nos Estados Unidos, um médico do departamento de saúde da região de Houston, no Texas, é acusado por promotores de ter levado nove doses da vacina de um frasco danificado para administrá-las em parentes. O argumento de seu advogado: ele estava apenas tentando garantir que a substância não fosse desperdiçada. O médico Hasan Gokal, do condado de Harris, furtou o frasco da Moderna, enquanto trabalhava em um centro de vacinação de Houston em 29 de dezembro. Conforme a denúncia, ele administrou a vacina em pelo menos nove pessoas, entre elas a esposa. O médico foi exonerado. Se condenado, ele pode pegar até um ano de prisão e terá de pagar uma multa de US$ 4 mil.
Também provocou polêmica nos Estados Unidos o fato de a empresa Moderna, uma das que teve autorização de uso emergencial, anunciou que ofereceria doses a seus empregados e membros do conselho de administração _ ainda que esses não estivessem nos grupos prioritários estipulados pelo CDC (Centro de Controle de Doenças). Em comunicado, companhia disse que disponibilizaria doses a seus trabalhadores por meio de um programa voluntário e confidencial "para fornecer uma camada adicional de proteção contra a covid-19 porque os trabalhadores estariam realizando serviços essenciais no desenvolvimento, fabricação e distribuição da vacina.
Esta semana, o site Político informou que o sistema de distribuição de vacinas carece de salvaguardas para garantir que a nova onda de doses atinja os trabalhadores em serviços essenciais, em vez de "atletas famosos e bem conectados":
"Há pouca chance de alguém furar a fila agora, enquanto o suprimento extremamente limitado da vacina está sendo distribuído apenas em hospitais e casas de repouso. Mas assim que mais doses estiverem disponíveis, grande parte do programa dependerá do sistema de honra, e os Estados deixarão para farmácias, centros de saúdes comunitários e empregados individuais verificar se alguém que está solicitando a injeção cai em uma categoria de prioridade.
No México, autoridades investigam o diretor de um hospital que furou a fila e conseguiu imunizar os membros de sua família, levando o presidente Andrés Manuel Lopez Obrador a considerar o gesto "imoral".
Do outro lado do Atlântico, na Europa, também há registros de fura-filas. Nos últimos dias, três funcionários públicos pediram afastamento por terem buscado algum nível de privilégio na Espanha: o ministro da Saúde de Múrcia, Manuel Villegas, e autoridades de Bilbao, no País Basco. No caso do ministro, cargo equivalente ao secretário, ele, sua esposa e outros funcionários foram vacinados. Há registros de políticos fura-filas, tanto do PSOE, de esquerda, quanto do PP, conservador, em Tarragona, Valência, Alicante, Córdoba, Estremadura e Ceuta. Na Espanha, a fase 1 da vacinação prevê que sejam imunizados apenas idosos e pessoas com deficiências que estejam em residências especiais, trabalhadores de saúde e sociais, que os auxiliem ou que se encontrem na frente de combate à covid-19.
Em Portugal, a Direção Geral de Saúde alertou que há pessoas se passando por profissionais de saúde para agendar a vacinação. Trata-se de um golpe: "Não abra a porta e denuncie o caso à polícia", pediu o órgão.
Em Israel, país que lidera a vacinação no mundo, há uma discussão sobre autoridades locais que, alegando estarem dando o exemplo a sua população, passaram à frente de quem tem prioridade _ no país, pessoas com mais de 60 anos. Políticos, como o ministro de Ciência, Izhar Shay, de 57 anos, postou nas redes sociais imagens sendo vacinado. O prefeito de Jerusalém, Moshe Lion, 59 anos, e sua esposa, Stavit, 55, entre outros políticos, disseram que pretendiam se vacinar.
- Até que haja uma decisão transparente, eu recomendaria que todos nós esperássemos na fila e nos vacinássemos de acordo com a idade e o estado de saúde, junto com todas as pessoas - disse o ministro Ze'ev Elkin, 49 anos.
Em tempo: no Brasil, o Ministério Público (MP) de diferentes localidades acompanha denúncias, que podem culminar em ações penais e processos de improbidade administrativa. A prioridade para receber as doses é dos profissionais de saúde que atuam no atendimento de pacientes com coronavírus, idosos que vivem em lares de longa permanência ou acima dos 75 anos e indígenas.