2020 entrará para a história como o ano em que, além da pandemia de coronavírus, a maior potência militar do planeta elevou Joe Biden Jr. à presidência ou será recordado como o período que marcou o fim da era Donald Trump no poder?
A cada vez mais provável eleição do ex-vice-presidente de Barack Obama e o retorno dos democratas à Casa Branca, são, obviamente, importantes. Mudarão a agenda doméstica dos Estados Unidos, com reflexos globais em geral - e nas relações com o Brasil em particular. Mas arrisco dizer que a possível saída de cena de um apresentador de TV que brincou, do alto de sua megalomania, de ser presidente, que colocou os interesses familiares acima do Estado e tornou-se tóxico para o sistema internacional, será muito mais relevante para a humanidade.
Nos últimos quatro anos, Trump foi o bufão dos fóruns internacionais: desdenhou de organismos multilaterais que seu próprio país ajudou a erigir no pós-Segunda Guerra Mundial, dinamitou pontes com aliados históricos na Europa e, defendendo o estandarte cristão, branco, heterossexual, lançou mão de uma política excludente, de supremacia do Ocidente sobre outras civilizações, enquanto, intramuros, colocou em risco a até então mais sólida democracia do planeta, fechando a nação a migrantes, desmontando políticas ambientais e contribuindo para aprofundar fraturas sociais, como o racismo estrutural.
Autocrático, governou pelo Twitter, lança acusações vãs que põem em dúvida o sistema eleitoral e considera a imprensa profissional inimiga, chamando-a de fake news, não porque essa divulga notícias falsas, mas porque comunica informações verídicas, de alto impacto social, que ele próprio não gostaria de ver expostas.
Sua saída do Salão Oval, ao que tudo indica, será pela porta dos fundos da Casa Branca, caso não admita a derrota em público, como orienta a tradição secular dos pais fundadores da América. Trump não será apenas um presidente que perdeu a oportunidade do segundo mandato - como Jimmy Carter ou George H. Bush. Sua derrota significa a rejeição a um estilo truculento no poder, que lembra Recep Tayyp Erdogan na Turquia, Vladimir Putin na Rússia ou Nicolás Maduro na Venezuela. Estamos assistindo, com níveis de ansiedade e preocupação, o capítulo final de um homem que se orgulha do politicamente incorreto, da arrogância e egocentrismo que fazem mal à sociedade como um todo.