Este domingo, 25 de outubro de 2020, foi histórico no Chile.
Ao comparecerem às seções eleitorais para o plebiscito no qual decidiram pela redação de uma nova Constituição, os chilenos transformaram o clamor das ruas em voto. Como deve ser em uma democracia.
Com 82% das urnas apuradas, o "sim" a uma nova Carta Magna vencia por 78,1% dos votos contra 21,8 do "não". Os eleitores também optaram por escolher uma nova comissão constituinte, que será eleita apenas para redigir a Constituição.
Há um ano, manifestantes iniciaram os protestos cujo estopim havia sido a alta da tarifa do metrô de Santiago. Com os dias se passando e a fúria crescendo, ficou claro que não era só pelos R$ 0,20 centavos - o valor equivalente em reais ao aumento de 3,75% no preço da passagem á época - que protestavam. O levante expôs o mal-estar chileno: décadas de desenvolvimento econômico e estabilidade que viraram vitrine neoliberal na América Latina não se refletiam no bolso da maior parte da população. Todos pagam a conta pelo alto custo de vida, mas o modelo chileno atingia em cheio principalmente as duas extremidades da pirâmide social - os jovens, com dificuldades de acesso à educação privada, e os idosos, devido aos gastos com saúde (também privados) e ao baixo valor das aposentadorias.
As manifestações de uma semana atrás, quando duas igrejas católicas foram incendiadas, confirmam que só mudar a Constituição não será suficiente para aplacar os ânimos. Mas, ainda assim, o processo político deste domingo é o mais relevante desde o retorno da democracia.
O poder das ruas fez o Palácio La Moneda tremer - não por bombas, como fizera Augusto Pinochet, em 1973, mas pela pressão popular. Em um primeiro momento, a reação do presidente Sebastián Piñera, sem compreender o que ocorria, foi de "lei e ordem". Colocou os carabineros, corpo policial militar herdeiro da ditadura, nas ruas na maior resposta militar a uma crise desde o fim do regime militar. A resposta dos manifestantes foi com revolta. O governo recuou, implementou medidas urgentes para atender em parte as reivindicações, e a classe política, temerosa do que risco de uma exigência ao estilo "que se vayan todos", aprovou a realização do plebiscito constitucional. A frase de Piñera neste domingo, ao votar, é emblemática, sinal de que o governo aprendeu a lição. Tem tons de humildade.
_ Qualquer que seja o resultado, esta noite não é o fim. É o começo do futuro _ disse.
Três pontos tornaram o dia ainda mais simbólico. Primeiro a data de sua realização: os protesto começaram em 18 de outubro, mas foi em 25 de outubro de 2019 que os chilenos realizaram o maior protesto desde o fim da ditadura, com 1,2 milhão de pessoas nas ruas. Segundo, os locais de votação: o Estádio Nacional, outrora campo de morte de Pinochet, é neste domingo o maior colégio eleitoral do país. Terceiro, a própria ideia de mudar a Constituição. Liberal, a Carta Magna atual não obriga o Estado a fornecer diretamente saúde, educação e proteção social, o que estimula a atuação privada nessas áreas. Outra crítica é a de que ela foi feita ainda sob regime de exceção, em 1980. A máxima lei chilena traz características autoritárias - com pouca participação popular. Com o "sim" a uma nova Carta, os chilenos sepultam a era Pinochet.
Por trás desses pontos, o que estava em discussão em cada voto era o tamanho do Estado que os chilenos desejam. Em segundo, a extensão das marcas que a tirania ainda teria na vida política e social do país.