Há, claro, as realidades - e desigualdades - de cada país. Mas os antimáscara não são muito diferentes nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, onde o movimento está enraizado, do que na Alemanha, Brasil e França, onde começam a ganhar força.
Também não diferem muito do perfil dos antivacina, de quem é contra o lockdown, dos adeptos de teorias da conspiração e daqueles que acreditam que a covid-19 é exagerada pela imprensa. Tendem para a direta. Mas podem ser encontrados em todo o espectro político.
Essas conclusões se baseavam apenas na percepção. Mas um estudo da Fundação Jean-Jaurès deu lastro científico às motivações de quem não usa máscara na França.
Liderada pelo professor de Ciências Sociais Antoine Bristielle, a pesquisa examinou vários grupos no Facebook e por meio de questionários online. O resultado ganhou projeção em alguns jornais importantes da Europa, como The Guardian. Veja algumas conclusões:
Quem não usa máscara acredita...
- que ela é inútil na prevenção contra a covid-19;
- que ela perigosa porque dificulta a respiração e são "colmeias de bactérias";
- que a epidemia acabou (logo, não é mais necessário usá-la);
- que a epidemia nunca existiu, e que os governos mentiram para as populações;
- que ela está sendo usada para subjugar as pessoas.
Agora, conexões interessantes reveladas pela pesquisa: os antimáscara rejeitam a chamada elite, o establishment, os políticos e partidos tradicionais e acreditariam mais nas "pessoas comuns" para tomar decisões. Você pode pensar em Donald Trump, por exemplo, eleito com discurso de romper com "pântano de Washington", mas a pesquisa francesa traz dados bem mais concretos: por exemplo, 40% dos que são contra as máscaras se abstiveram ou anularam seu voto nas últimas eleições, as de 2017, cujo segundo turno foi decidido entre o vencedor, Emmanuel Macron, e a líder da extrema direita Marine Le Pen.
Veja que interessante esses dados:
- 90% dos antimáscara disseram que o Ministério da Saúde francês se aliou aos grandes laboratórios para esconder os "efeitos danosos" das vacinas;
- 52% acreditam que a princesa Diana foi assassinada (na verdade, ela morreu em uma acidente de carro, em Paris, em 1997, mas quem crê em homicídio afirma que houve complô)
- 56% acreditam na teoria da substituição - trata-se de uma conspiração racista e sexista, divulgada por um filósofo francês de extrema direita chamado Renaud Camus, segundo o qual as mulheres brancas não estão gerando filhos em número suficiente e que a queda de natalidade levará os brancos do mundo inteiro a ser substituídos por não brancos. Essas ideias estavam por trás de manifestos de terroristas de El Paso e de Christchruch, este último recentemente condenado à prisão perpétua na Nova Zelândia.
Mais dados:
- 57% acreditam na existência de um complô sionista mundial.
- Quem rejeita o uso da máscara se considera "livre pensador";
- 87% disseram que a sociedade funciona melhor quando as pessoas são responsáveis por suas próprias vidas;
- 95% disseram que o governo se intromete demais na sua vida diária;
- 64% dos antimáscaras são mulheres, com idade média de 50 anos e frequentando o Ensino Superior.
- A maioria disse ter se informado pela internet, e 51% afirmaram confiar nessas informações;
- 22% disseram ter participado dos protetsos dos Coletes Amarelos - e 57% afirmaram apoiar o movimento.
Aqui, uma particularidade da França - mas que pode ser relacionada ao Brasil ou aos Estados Unidos, onde os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, respectivamente, defenderam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento contra o coronavírus. A pesquisa francesa mostrou que a maioria (87%) dos antimáscara apoia as ideias de Didier Raout, um polêmico virologista de Marselha, pai (e influenciador do círculo próximo a Trump) da ideia do uso dessas susbtâncias para o controle da doença. Quase todos (98%) disseram que os pacientes infectados deveriam ser tratados com hidroxicloroquina, como Raoult propõe.
Não custa lembrar que esse tipo de tratamento não tem eficácia comprovada cientificamente - o maior estudo brasileiro sobre o tema, por exemplo, apontou que a substância não teve eficácia. A pesquisa foi realizada pela Coalizão Covid-19 (que inclui Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo cruz, BP - Beneficência Portuguesa de São Paulo, Brazilian Clinical Research Institute e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva).
A propósito, o médico francês Didier Raoult, cuja defesa da hidroxicloroquina se tornou conhecida mundialmente, foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa, que o acusa de promoção indevida do medicamento.
Leia mais sobre a pesquisa aqui, no site oficial da Fundação Jean Jaurès.