A informação de que o governo federal orientou os Estados americanos para que estejam preparados para iniciar a vacinação da população contra o coronavírus no final de outubro ou início de novembro indica que, assim como China e Rússia, os americanos também podem atropelar protocolos científicos para ter uma imunização.
Nos documentos do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), vazados pelo jornal The New York Times na quarta-feira (2), o órgão sugere: "se for necessário, não aplicar os requisitos que possam impedir que essas instalações estejam completamente adequadas em 1º de novembro". Fala em instalações (indicando infraestrutura para a logística de vacinação), mas a pressa pode se estender também aos resultados dos testes. O próprio chefe da FDA (Food and Drug Administration), Stephen Hahn, afirmou que o governo não descarta a hipótese de autorização da vacina através de um "processo de emergência" (na China, o governo chama de "licença especial") para vacinar a população, antes da conclusão dos testes clínicos.
Nenhuma vacina no mundo até agora passou em todos as fases de pesquisa que garantam sua eficácia e segurança, embora pelo menos nove produtos estejam na última etapa – a que prevê ensaios em milhares de pessoas. No caso americano, tudo indica que o governo esteja contando com os produtos de Pfizer e Moderna, mas, além dessas, a Casa Branca já reservou milhões de doses da AtraZeneca, da Johnson & Johnson, da Novavax e da Sanofi.
Ao apressar – e por vezes passar por cima de protocolos –, os EUA se igualm a China e Rússia.
O Partido Comunista Chinês, por exemplo, está se valendo da tal "licença especial" (que eles próprios se deram, diga-se de passagem) para aplicar a imunização em seus cidadãos, mesmo que os ensaios de terceira fase não tenham sido concluídos. Em junho, duas empresas estatais, uma subsidiária da China TravelSky Holding Co, de viagens, e a PetroChina, de petróleo, ofereceram a seus funcionários receber doses de duas vacinas desenvolvidas pela Sinopharm (China National Pharmaceutical Group), "por fora" das pesquisas. Desde 22 de julho, o país aplica o produto em médicos, enfermeiros e outros profissionais da linha de frente, além de agentes de fronteiras e trabalhadores dos setores de transporte e serviços _ também com doses da Sinopharm. A "licença especial" está prevista em lei em caso de emergência sanitária, situação que está em vigor em razão da pandemia.
A Rússia, que ainda tem muito a explicar ao mundo sobre sua anunciada vacina Sputnik V depois de todo alarde que fez, é a que mais levanta suspeitas de que tenha atropelado os protocolos internacionais de garantia de segurança e eficácia. O país é o que menos deu informações sobre seu produto até agora – e os pesquisadores não publicaram artigos em revistas científicas reconhecidas, como The Lancet, por exemplo.
O Kremlin anunciou que o primeiro lote estará pronto este mês, permitindo sua aplicação em grupos de risco a partir de outubro. A vacina continuará a ser testada mesmo que as aplicações já tenham começado _ ou seja, mesmo sem se saber se a imunização realmente funciona, ela já estará sendo aplicada fora do protocolo de pesquisa. A aplicação já é obrigatória para militares. Tudo indica que professores também terão de tomar. O sindicato que representa a maior parte da categoria, o Uchitel, lançou uma petição online contra a possível obrigatoriedade da vacinação sem que todos os protocolos de pesquisa sejam respeitados.