O que o governo dos Estados Unidos quer com Julian Assange é julgá-lo por espionagem, em território nacional, segundo as leis americanas, por ter vazado milhares de documentos sobre o que o país fazia, sob sigilo, como xerife do mundo nos 10 anos iniciais do século 21.
Mas o que está em jogo não diz respeito apenas a uma questão de soberania: o direito de um país, em defesa de seus interesses, garantir informações sigilosas. Trata-se de um debate fundamental: até onde vai o direito de uma nação proteger-se e matar ou torturar seres humanos, em nome de sua própria segurança?
O que Assange denunciou foram os feitos americanos em nome de proteger o país do terrorismo internacional, na esteira dos atentados de 11 de setembro de 2001. Pela lógica de sua época: matar inimigos no Afeganistão, torturar, com cães e choque, suspeitos em Abu Ghraib, no Iraque, e prender militantes em Guantánamo sem acusações formais.
A informação primeira que Assange revelou foi um ataque de helicóptero americano no Iraque contra o que seriam terroristas no solo. A informação vazada pelo WikiLeaks dava conta de que os mortos não eram apenas extremistas – com eles, morreram crianças e dois jornalistas da agência Reuters.
A informação de que houve mortos civis, vítimas fortuitas da guerra, não seria de interesse público? Eu, você, queremos saber o que o nossos governos, eleitos pelo voto, fizeram em nosso nome. Mais: eu, você, detentores dessa informação, não acharíamos justo que outros soubessem disso?
Daí porque o julgamento de Assange, que começou na segunda-feira, em Londres, não é apenas sobre sua extradição ou não para os EUA. Seus métodos são questionáveis: invasão de computadores, dados privados. Mas Assange acessou informações de alto interesse público - crimes de guerra cometidos por um país - e as publicou. O argumento americano: ele violou dados sensíveis, que colocam em risco a segurança nacional.
Mas se você soubesse que o seu país estaria prestes a sofrer um ataque terrorista e que poderia neutralizá-lo - mas, ao mesmo tempo, matando inocentes - o que faria? Aceitaria? Calaria-se?
Não são decisões fáceis. Ainda mais quando, em nome do interesse público, se viola dados privados - e esse é o dilema. Assange não se calou. Os governantes, muitas vezes, não querem que a população saiba o que estão fazendo - e o interesse nacional é verniz para esconder abusos.