Com exceção daqueles que se tornaram presidentes, poucos se lembram dos vices nos Estados Unidos: William Rufus King, William Wheeler…
Há, é claro, aqueles que não chegaram ao posto máximo da nação, mas foram alçados à posição de destaque pelas circunstâncias. Dois deles: Dick Cheney, vice de George W. Bush, pelo papel de falcão, artífice da ocupação do Iraque; e Al Gore, segundo de Bill Clinton e "ex-futuro presidente dos EUA" desde a polêmica eleição de 2000.
Ironicamente, ambos tiveram relação com o cinema - e por isso também ficaram mais populares. Gore, com sua verdade inconveniente, e Cheney, eternizado no ano passado com a atuação de Christian Bale, no filme "Vice".
O vice nos Estados Unidos tem funções diferentes das exercidas pelo cargo no Brasil. Não apenas assumem o comando da nação na ausência do chefe, mas presidem o Senado - e votam diante de empates no plenário.
Mike Pence, vice de Donald Trump, atua mais como auxiliar do presidente do que com autonomia, embora, durante a pandemia, tenha coordenado a equipe de resposta ao coronavírus.
Joe Biden, enquanto vice, muitas vezes era ofuscado pela diplomacia presidencial de Barack Obama. Mesmo assim, foi chamado a apagar incêndios externos - inclusive no Brasil, durante a crise de espionagem do governo Dilma Rousseff, pela Agência de Segurança Nacional (NSA). Em nível doméstico, coordenou o resgate da economia após a crise de 2008.
Ao escolher Kamala Harris como vice em sua capa contra Trump, Biden mira nas fragilidades do rival - a senadora é negra, mulher, descendente de migrantes jamaicanos e indianos e ex-procuradora da Califórnia, ou seja uma ligação direta com os problemas enfrentados pelo republicano. Trump é acusado de racista, machista, de perseguir migrantes e de usar a força policial a favor de seu slogan de defensor da "lei e da ordem".
O democrata cria uma ponte com o futuro do partido. Se eleito, Biden terá 78 anos ao assumir o cargo. Vinte e dois anos mais jovem, Kamala (que terá 56) reformula a estrutura de poder nas entranhas democratas. A senadora ressignifica a derrota de Hillary Clinton, em 2016, em um partido que mergulhou na crise a partir da perda da Casa Branca, percebeu erros, se desconectou das origens e voltou apoiado por movimentos tradicionais, como de militantes negros, hispânicos e de mulheres - amostra disso é que nunca houve tantas pré-candidatas à vaga democrata. Kamala desistiu no meio do caminho ao posto em apoio a Biden, mas sempre seguiu como favorita à vice. Um passo atrás que pode significar dois à frente.
Se chegar a suceder Biden - por morte do primeiro ou como candidata natural em 2024 -, ela se tornaria a primeira mulher a presidir os Estados Unidos. Não é simples. Apenas 14 vices chegaram à presidência e desses, nove não foram eleitos, mas ocuparam o Salão Oval após a morte ou a renúncia do chefe.