O recado foi dado: quem manda naquele canto da Europa é Vladimir Putin. Pressionado pelas manifestações que pedem sua renúncia, o presidente de Belarus, Aleksander Lukashenko, correu para os braços do líder russo. O pedido de socorro veio acompanhado do argumento irrecusável ao Kremlin: as tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estariam nas fronteiras prontas para atacar Belarus.
É falacioso: a Otan sempre esteve nas barbas de Belarus, estado-tampão entre a Rússia e a Europa. Mas Putin aproveitou a deixa para mandar um recado ao Ocidente: ofereceu ajuda militar ao governo bielorrusso. Em outras palavras, quis dizer: "na zona de influência da antiga URSS, mando eu". E ele já mostrou isso com invasões na Geórgia, em 2008, e quando arrancou a Crimeia da Ucrânia, em 2014, sob o olhar passivo do mundo.
A Rússia considera todo o Leste Europeu sua área de influência. O sonho de Putin não é reconstruir o império soviético, mas as antigas repúblicas satélites de Moscou servem, além de colchão de segurança entre a Europa e o seu território, como ponto estratégico e econômico: sobre elas, a Rússia exerce hegemonia regional e por vários desses países escoam gás e petróleo russo para o resto do mundo.
Nos 26 anos em que está no poder, Lukashenko tentou equilibrar-se entre a Europa e a Rússia, ora angariando vantagens de um, ora de outro. Mas, desde a eleição do dia 9, com sinais de fraude, o homem chamado de "último ditador europeu" tornou-se uma figura inconveniente. Para União Europeia (UE), não há mais espaço para autocratas em suas barbas. Já para Putin, um realista nas relações internacionais, mantê-lo no trono bielorrusso é uma questão de vantagem ou desvantagem. Até o momento, há mais desvantagens. Lukashenko tem reprimido há mais de 10 dias manifestantes que saem às ruas exigindo sua renúncia. Nos últimos dias, trabalhadores da mineração pararam a produção de potássio, uma das maiores do mundo, e fábricas fundamentais da economia bielorrussa, como de máquinas agrícolas, também entraram em greve.
Instabilidade na região não favorece aos interesses do Kremlin, porque atrai a preocupação da Otan. Tampouco são interessantes para os negócios russos em Belarus sanções econômicas, como as que a UE implementará. Belarus é um desses territórios da região pelos quais passa gás e petróleo rumo à Europa. Na semana que passou, Putin telefonou para a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e para o presidente Emmanuel Macron, da França, com novo recado: não irá tolerar tentativas europeias de influenciar na situação.
Por enquanto, o risco de invasão russa é pequeno. Belarus não é como a Ucrânia. Os protestos contra Lukashenko não tem motivação nacionalista ou dimensão anti-Rússia. Apoiar Lukashenko, um autocrata, não traz internamente vantagens a Putin, também questionado por seus métodos pouco democráticos. Invadir significa apoiar fraude eleitoral e silenciar o povo bielorrusso (na Crimeia, havia forte desejo da comunidade russa pela anexação). As manifestações já estão em estágio avançado. Sufocá-las pode gerar um conflito ainda maior. Belarus, ainda que fragilizada nos pilares democráticos por décadas de poder de Lukashenko, tem condições de resolver seus problemas sem uma intervenção armada. Putin foi o senhor da paz e da guerra na Síria. E Bashar al-Assad só permaneceu entronado porque assim quis o presidente russo. No caso de Lukashenko, para ele cair, basta um telefonema do Kremlin.