Nos Estados Unidos, a notícia de que Kanye West seria candidato à Casa Branca nas eleições de novembro não ganhou mais espaço na mídia do que o incendiário discurso de Donald Trump em frente ao Monte Rushmore, na véspera do 4 de Julho, mas, fora das fronteiras americanas, o tema, pela curiosidade, ganhou repercussão nas redes sociais, especialmente entre os fãs do rapper. O fato é que, realisticamente, as chances do músico se candidatar - e menos ainda tornar-se um candidato com chances de vencer - são mínimas.
Isso leva a pensar que o anúncio de Kanye, feito pelo Twitter, no sábado (4), data mais importante do calendário americano, feriado da Independência, possa parecer, a uma primeira análise, uma ação de marketing. A decisão vem pouco depois de ele lançar sua nova música "Wash Us In The Blood" e na esteira dos protestos contra o racismo deflagrados pela morte de George Floyd. Kanye apoia o movimento Black Lives Matter, doou dinheiro para ajudar a família de Floyd e prometeu pagar a faculdade para a filha da vítima.
Mas suas ações políticas sempre foram mais efetivas nos bastidores do que na linha de frente. Kim Kardashian, sua mulher, fez contatos influentes nos últimos anos na Casa Branca de Trump. E Kanye é um vocal defensor do republicano - a ponto de usar boné vermelho com a inscrição "Make America Great Again" e dizer que, ao colocá-lo sobre a cabeça, sentia-se um super-homem". Embora, ele tenha feito doações a campanhas democratas - US 2 mil a Barack Obama em 2012, US$ 15 mil ao partido em 2014 e US$ 2,7 mil a Hillary Clinton em 2015 (somas irrisórias, convenhamos, diante de sua fortuna).
Em sua guinada em direção a Trump, ele tem defendido que, por ser negro, não necessariamente deva apoiar Joe Biden. No entanto, seu próprio histórico de anúncios da suposta intenção de ser candidato tiram qualquer credibilidade da fala de sábado: Kanye já afirmara em 2015 que seria candidato em 2020, depois, em 2018, postergou sua decisão para 2024. Dentro de quanto tempo, desta vez, voltará atrás ou adiará sua decisão, afirmando apenas que "pensou melhor e vai deixar para a próxima"? Isso explica por que a mídia séria nos Estados Unidos ou não noticiou o anúncio de Kanye ou tenha reservado notas de rodapé ao tema.
Há muito mais perguntas ou vazios sobre o anúncio - o que também abre margem para pensarmos que não passa de uma piada - aliás, seus próprios colegas do show business assim o trataram, como Paris Hilton, que, depois do tuíte do músico, seguiu os passos de Kanye e também "se candidatou à presidência". Kanye não disse se está registrado em algum partido. Poderia concorrer como independente - algo bastante comum nos Estados Unidos, embora a mídia e os próprios eleitores costumem mirar apenas nos dois principais candidatos. Mas, até para isso, ele precisaria estar inscrito na cédula eleitoral. E, em muitos Estados, o prazo para a inscrição já acabou.
Há sinais de que uma eventual candidatura de Kanye, alguém tão próximo de Trump e imitador de sua retórica, como inclusive ficou claro no anúncio pelo Twitter, faça parte de uma estratégia para retirar votos do eleitor negro e jovem de Biden. Estranhamente, esse movimento ocorre a apenas quatro meses da eleição e em um momento em que Trump aparece em queda livre nas pesquisas do voto popular - perdendo em Estados-chave, como Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, e indo mal na Carolina do Norte, Arizona e Flórida, territórios nos quais ele venceu em 2016 e nos quais não pode pensar em se reeleger se não virar o jogo.