O conhecimento adquirido até aqui, nesses três meses de pandemia (declarada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março), permite afirmar que não há fórmula perfeita para combater o coronavírus. Avançou-se cientificamente, por meio da análise do genoma do vírus, observação de pacientes, exame de curvas epidemiológicas, dissecação do comportamento da doença. Mas, do ponto de vista da gestão da crise, pelos atores políticos, há diferentes modelos de política de contenção.
Confinamento em massa de populações, como fez a China, talvez só seja possível em regimes autoritários como o do gigante asiático - o lockdown no Ocidente, em países que o fizeram, não foi perfeito justamente pelas características inerentes à democracia - a preservação do direito de ir e vir e à privacidade, por exemplo.
O pequeno Vietnã (com zero mortes e pouco mais de 300 casos de coronavírus) é exemplo das idiossincrasias dos regimes políticos ao lidar com a pandemia. É uma democracia? Não. Conteve o vírus? Sim. É exemplo? Em parte. Vejamos.
O Vietnã é um país autoritário, a exemplo da China, uma ditadura comanda por um partido único, o Partido Comunista do Vietnã. É uma das nações com maior densidade populacional da Ásia.
Como país ditatorial que é, implementou o confinamento da população de forma autocrática e colocou em prática um controverso processo de rastreamento de contatos de doentes - tática empregada há 17 anos, quando o país enfrentara a Síndrome Aguda Respiratória Grave (Sars), hoje, facilitada pela tecnologia. O governo disponibiliza, nas redes sociais e nos jornais locais, um histórico detalhado das movimentações de cada novo paciente com covid-19. A ideia é buscar pessoas que tenham estado em contato próximo com alguém infectado. Para aumentar a vigilância (palavra habitual de regimes ditatoriais), também foi lançado um app para que as pessoas alertassem autoridades locais sobre suspeitas de infecções na região onde moram. Todo cidadão que entra no país é obrigado a apresentar atestado de saúde - declarações falsas são passíveis de multa e prisão.
Essas medidas poderiam ser implementadas em regimes democráticos? Não. Mas há um aprendizado aí e um diferencial em relação a outros países autoritários asiáticos no modus operandi vietnamita.
O primeiro é o uso de experiências anteriores para lidar com o coronavírus. O quanto nós, brasileiros, aprendemos com H1N1 e estamos usando neste momento? Questiono como prática social, política de Estado, porque, na medicina, nos estudos científicos, tenho certeza de que isso está ocorrendo.
A diferença em relação a outros países autoritários, o ponto que não permite colocar o Vietnã no mesmo saco de China (com quem faz fronteira terrestre), Coreia do Norte e Turcomenistão, é que o Vietnã foi transparente com a sua população e com a comunidade internacional. O governo atualiza seus cidadãos por meio de mensagens de texto frequentes com dados sobre a doença, fala de prevenção e trouxe para campanha atores e atrizes famosos para produzir peças e músicas educativas sobre o vírus. Acusado de esconder a verdade em crises anteriores, o PC do país reconfigurou sua imagem perante a população e levantou o ânimo de quem estava em isolamento.
Só transparência, sabe-se, não é suficiente. O país inovou. Fabricou um kit para testagem de covid-19 que custou US$ 25 cada. Exames em massa, como mostram outras nações, foram fundamentais. A nação também fechou fronteiras antes de outros. E quando a OMS ainda recomendava que apenas profissionais de saúde usassem máscaras de proteção, os vietnamitas já andavam mascarados pelas ruas - hábito, aliás, bem comum entre os asiáticos desde a SARS.
O Vietnã é um país pobre, com sistema de saúde precário e no qual o turismo representa 6% do PIB. A previsão é de que 10 milhões de pessoas perderão o emprego e haverá uma queda de 7% PIB em relação ao ano passado. Dá para aplicar em todos os países? Não. Fere os princípios democráticos. Sim. Mas é fato: o país salvou vidas. Mesmo em relação aos vizinhos asiáticos que são bons exemplos de contenção da doença, como Singapura e a Coreia do Sul, o Vietnã tem mais a comemorar.