Enquanto o mundo olhava para a pandemia, uma operação secreta que só agora começa a ganhar contornos claros se desenrolou nas praias da Venezuela para supostamente apear Nicolás Maduro do poder. Com ou sem o dedo do governo americano (a Casa Branca nega), a Operação Gedeón foi levada a cabo por uma empresa de segurança privada americana chamada Silvercorp, com sede na Flórida. O objetivo: infiltrar ex-militares venezuelanos (e alguns americanos) na costa do país caribenho com a intenção de invadir o Palácio de Miraflores, remover Maduro e pôr a mão nos US$ 15 milhões que o Departamento de Estado dos EUA oferece pela cabeça do líder venezuelano.
Como a fracassada invasão da Baía dos Porcos (aquela que tentou tirar Fidel Castro do poder em Cuba, em 1961, esta comprovadamente com apoio da CIA), a operação Gedeón também não deu certo. No domingo (10), as forças armadas venezuelanas anunciaram a prisão de mais 11 suspeitos de participarem da tentativa de "golpe privado", como o regime está chamando a tentativa de sequestro de seu líder. Três homens foram detidos em Colônia Tuvar, pequena comunidade de descendentes alemães a uma hora de Caracas, e outros oito no Estado de Vargas, no norte do país. Já são 45 pessoas capturadas pelo regime. A se contabilizar o que se sabe até agora sobre a obscura operação, faltariam pelo menos outros cinco integrantes do grupo, fora os que morreram em confrontos.
A tentativa de invasão começou a ser planejada vários meses atrás, quando um grupo de ex-militares venezuelanos passou a treinar em Guajira, no lado colombiano. Em 3 de maio, cerca de 50 homens embarcaram em duas lanchas com destino à costa venezuelana. Foram interceptados pela marinha de Maduro. Houve confronto, oito pessoas morreram e dois americanos foram capturados.
Líder da oposição, o autoproclamado presidente Juan Guaidó negou ter conhecimento da operação. Mas um de seus assessores, Juan José Rendón, chefe do comitê de estratégia do político, revelou à rede CNN ter participado das negociações com a Silvercorp.
A participação de empresas privadas de segurança em operações militares não é novidade. No Iraque, ficou conhecida a Blackwater, contratada pelo Departamento de Estado para fornecer segurança às instalações americanas no país. Isso, oficialmente. Logo, ela se transformou em um braço militar das forças de ocupação responsável por fazer o serviço sujo. Em 2007, seus funcionários atiraram e mataram 17 civis iraquianos em uma praça de Bagdá. Foi apenas uma das acusações de massacres realizados pela empresa, que, depois de faturar centenas de milhões de dólares do governo americano no Iraque, entrou para a lista proibida de contratos da Casa Branca. A história está na rigorosa investigação jornalística de Jeremy Scahill, transformada no livro "Blackwater - A Ascensão do Exército Mercenário Mais poderoso do Mundo", que ficou por meses entre os mais vendidos na lista do The New York Times em 2007.
A própria Blackwater teria um plano para derrubar Maduro, segundo uma reportagem divulgada no ano passado pela agência de notícias Reuters. Segundo o trabalho, Erik Prince, fundador da empresa, teria feito lobby junto à Casa Branca para colocar em campo até 5 mil mercenários. Pessoas familiarizadas com o pensamento do governo à época disseram à imprensa que Trump não apoiaria tal plano. Questionado sobre a operação recente da Silvercorp, o presidente americano afirmou:
- Eu não sei de nada. Acredito que o governo nada tenha a ver com isso. Se fôssemos fazer algo com a Venezuela, não seria desse jeito. Seria um pouco diferente. Seria chamado de invasão.
A terceirização da política de defesa dos EUA cresceu nos últimos anos. Na África e no Oriente Médio, esse tipo de empresa entra no escopo da estratégia americana de guerra ao terror. Na América Latina, o inimigo é outro: o narcotráfico. Mas o uso de seus exércitos privados não pode ser descartado no caso de planos para derrubada de regimes.
A vantagem desse tipo de parceria com o governo americano no Oriente Médio é poupar a Casa Branca do desgaste e do custo político das cenas de caixões de soldados cobertos com bandeiras dos EUA voltando para casa.
A falha da operação na Venezuela reforça a narrativa de Maduro, de que os EUA querem derrubá-lo, de que todas as opções estão sobre a mesa e de que Guaidó seria apenas marionete americano para retirá-lo do Miraflores.