Desde o início da crise do coronavírus, descobrimos a fórceps o impacto (ou pelo menos boa parte dele) da doença nos países desenvolvidos ou em ascensão, como a própria China, hoje segunda maior economia do mundo e local onde o sars-cov-2 se originou: capitais fechadas, caminhões transportando corpos mortos, sistemas de saúde em colapso e provável depressão econômica.
Mas o resultado de sua chegada ainda é desconhecido em nações com forte desigualdade social, como na América Latina e na África. Um relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) ajuda a imaginar o que virá. O Brasil foi o primeiro país latino-americano a registrar o vírus, em 26 de fevereiro. O último foi Belize, na América Central. Hoje, todas as nações do subcontinente, uma área onde vivem 620 milhões de pessoas, contam infectados, cerca de 7,7 mil na região - depois do Brasil, Equador e Chile lideram a lista de casos.
Além do número de mortos, menor do que os registrados até agora no Hemisfério Norte, a preocupação paira sobre o estrago que a doença provocará na economia na região onde a desigualdade social é um problema estrutural. Pelo relatório das Cepal, o número de pessoas afetadas pela pobreza pode subir de 185 milhões para 220 milhões - ou seja, 35 milhões a mais. O grupo dos que vivem em pobreza extrema passaria de 67,4 milhões para 90 milhões.
Os dados do organismo das Nações Unidas preveem recuo de 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB) regional e o aumento do desemprego em 10 pontos percentuais.
Os números são retratos estatísticos de cinco pontos que a Cepal avalia como impacto direto da covid-19: a diminuição das exportações para parceiros comerciais, como a China; a queda do turismo em razão das restrições às viagens - com impacto especial no Caribe -; o freio à importação de insumos utilizados pela indústria, a queda dos preços das matérias-primas; e a redução de investimentos. Esses pontos levarão, segundo a secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, a interrupção de cadeias produtivas, que prejudicará o comércio interno e externo, base das economias latino-americanas.
Os dados são ainda mais preocupantes uma vez que quase metade da população da região (46,7%) é composta por pessoas com alto grau de vulnerabilidade, que podem voltar aos níveis de pobreza. São aquelas que recebem hoje, em média, entre US$ 110 e US$ 329 mensais. No ano passado, a economia latino-americana cresceu apenas 0,1% e a projeção para 2020 era de 1,3%.
Não é possível definir quais países sofrerão maiores impactos de infectados e mortes por coronavírus - o exemplo europeu está aí para mostrar que diferentes medidas adotadas pelos governos, do isolamento social aos testes em todos os casos suspeitos, têm impacto diferenciado dentro das fronteiras nacionais. Tampouco é possível antecipar as nações que perderão mais em termos econômicos. Mas o alerta vai sobretudo para Venezuela, imersa muito antes do coronavírus em uma crise social, política e econômica, e Brasil, onde a pobreza aumentou entre 2014 e 2018. Com poucas exceções, todos os países da América do Sul viviam instabilidade política ou econômica em 2019 - da Lava-Jato no Peru, passando pela crise nos combustíveis no Equador, as traições e risco de impeachment no Paraguai, a pobreza argentina, as revoltas nas ruas do Chile até as rusgas no Mercosul.