Dois dos principais assuntos do momento no continente passarão à margem das conversas oficiais da cúpula do Mercosul, que ocorre no Vale dos Vinhedos. Mas as crises nas ruas de vários países latino-americanos e o mal-estar entre o governo brasileiro e o futuro presidente da Argentina, Alberto Fernández, são os ausentes mais presentes da reunião dos chefes de Estado em Bento Gonçalves nesta quinta-feira (5).
Na mesa, os temas são comerciais. As divergências ficam para os bastidores, nas conversas de pé de ouvido.
Primeiro porque esta é uma reunião de cúpula de despedida. Mauricio Macri, aliado do presidente Jair Bolsonaro e seu favorito para a reeleição de outubro, deixará o poder em cinco dias, passando o bastão ao centro-esquerdista Fernández na Argentina. Ou seja, tudo o que Macri disser ou negociar no Spa do Vinho terá pouco ou nenhum valor na semana que vem, quando o kirchnerista assumir a Casa Rosada. O atual governo uruguaio (Tabaré Vázquez é representado no Estado pela vice, Lucía Topolansky) também está de saída: deixa a presidência em março, quando será substituído pelo presidente eleito de centro-direita Luis Lacalle Pou. As saídas esvaziam a cúpula no Rio Grande do Sul e tornam os debates em grande parte inócuos.
As rixas entre Bolsonaro e Fernández durante a campanha eleitoral no país vizinho têm potencial para se tornar crise diplomática assim que o argentino assumir, no dia 10 (Bolsonaro não irá, quebrando uma tradição entre os vizinhos e parceiros de Mercosul). Não há, do lado de cá, nenhum sinal de aproximação até o momento. Se o governo brasileiro tivesse convidado Fernández para estar em Bento Gonçalves teria dado um gesto de grandeza diplomática. O mesmo poderia ter sido feito a Lacalle Pou.
O Brasil não só perdeu a oportunidade de mostrar que relações de Estado estão acima das de governo como, surpreendido pelo tuíte de Donald Trump sobre a taxação do alumínio e do aço, foi pego no contrapé. A decisão do presidente americano, que o Palácio do Planalto ainda imagina reverter, chegou ao evento mais importante das relações exteriores no Brasil em 2019 no momento de maior fragilidade do Mercosul. Uma foto hipotética de final de cúpula, com os vinhedos de Bento ao fundo, e, à frente, os atuais presidentes do bloco — e os dois futuros de Argentina e Uruguai — mostrariam uma região unida e, ao menos nas imagens que chegariam a Washington, forte.
O segundo ponto são as crises que fazem tremer o continente em vários países vizinhos. Exceção às revoltas, o Mercosul não vivencia protestos. No entanto, não está imune. O Brasil passa por reformas estruturais na Previdência – o Chile é, em parte, inspiração do ministro da Fazenda Paulo Guedes. O presidente paraguaio, Mário Benítez, por pouco escapou de um processo de impeachment este ano em razão de um acordo até agora não explicado com o Brasil sobre Itaipu. A Argentina tem mais 5 milhões de pobres do que há quatro anos, o desemprego está nas alturas, e a ameaça do calote da dívida voltou a aparecer. Mais estável nação da região, o Uruguai reduziu crescimento e, até então pacífico, sente efeitos da criminalidade que se eleva. Os problemas dentro do bloco contêm desafios tão graves quanto os que colocaram governantes de Equador, Chile, Peru e Bolívia em apuros.