Palco da maior tragédia do século 21 até o aparecimento do coronavírus, Nova York caminha para se tornar o novo epicentro da pandemia no mundo. O Estado americano tem metade dos casos em território dos Estados Unidos até agora. O país tem 590 mortos e 48.289 infectados. Esse número deve ser maior porque só agora o governo começa a testar os casos.
O governador Andrew Cuomo está exigindo o aumento obrigatório de 50% da capacidade de hospitais estaduais para que suportem o fluxo de pacientes infectados. As estatísticas obedecem à lógica que temos observado na Europa, um vírus que mira os idosos: cerca de 13% dos pacientes em Nova York foram hospitalizados, a maioria tem idade superior a 70 anos.
Capital simbólica dos EUA e do mundo, Nova York respira a emergência que passaremos a ver nos próximos dias em todo os Estados Unidos e em boa parte do continente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou nesta terça-feira (24) que está vendo aceleração muito grande em número de casos de coronavírus em território americano. Isso significa que o país deve se tornar o novo epicentro da crise - não é possível descolar os olhos da Europa, mas a América passa a ser o principal foco. Os EUA tem casos em todos os 50 Estados.
Não se trata de uma epidemia do hemisfério norte, mas fica claro, ao observar o mapa da OMS, que, por enquanto, o drama maior se concentra na porção boreal do planeta, que saiu do inverno e entrou na primavera. As condições meteorológicas que, para nós, que saímos do verão e entramos no outono, legou um tempo necessário para preparação.
Não serão Joe Biden, Bernie Sanders, a oposição democrata, os migrantes da América Central e Caribe ou a China os inimigos agora do governo americano. O grande teste de Donald Trump está por vir. Make America Great Again se tornou algo como manter a América viva - do ponto de vista real, com as pessoas sobrevivendo e saudáveis, evitando-se o caos, mas também uma questão do ponto de vista simbólico, com os EUA tendo relevância global em meio a uma crise que exige protagonismos.
Quando o vírus cruzar (e em parte já cruzou), de forma impiedosa, o Atlântico, muito estará em jogo: os EUA como potência global emergida da Segunda Guerra, vencedora da Guerra Fria, uma nação que a ferro e fogo conseguiu se reerguer do 11 de setembro de 2001, mas também um país capaz de exercer sua liderança mundial.
Não estamos acostumados a ver os EUA fechados em si mesmos, como no governo Trump. Na história do século 20, da entrada tardia na primeira e segunda guerras, os governos americanos comandaram o Ocidente. O mundo mudou da Segunda Guerra para cá, uma conformação multipolar se originou, com vários atores e diferentes protagonismos - a China ascendente, a Europa como sonho de unificação e hoje fragilizada, a Rússia se reerguendo.
O diretor administrativo da Berkley Research e ex-funcionário da Casa Branca Harry Broadman afirmou que a crise pede uma ação coletiva extensa e sistemática para mitigar riscos transfronteiriços e criar uma solução tangível duradoura para proteger a saúde pública e a prosperidade de econômica do mundo. Urge um plano global de ação contra o coronavírus, cuja ponta tem sido liderada por países como França, China e Arábia Saudita, mas não, como de costume, pelos Estados Unidos. Os americanos estão ausentes neste momento.
Em um cenário em que a Olimpíada do Japão foi adiada é possível imaginar que as eleições americanas também o serão. A campanha está em espera. Biden perde com a alta visibilidade de Trump, que, mal ou bem, tem atraído os holofotes. É sua grande prova como líder. Boa parte do que os EUA passarão nos próximos dias se refletirá sobre o hemisfério sul, a desigual América Latina e o titubeante Brasil.