Em cenas impressionantes, aviões cargueiros abarrotados de equipamentos médicos e profissionais de saúde chineses têm aterrissado nos últimos dias na Europa e na África como parte de um esforço gigantesco da China em ajudar governos e populações a conter o avanço do coronavírus. Segundo a agência de notícias estatal chinesa Xinhua, Pequim enviou apoio a mais de cem países.
Uma amostra: 2 milhões de máscaras cirúrgicas e 50 mil kit de testes, foram doados para a União Europeia; médicos chineses chegaram à Itália, nação mais atingida pela pandemia, equipamentos foram desembarcados na Bélgica, em apoio ao país, à França e à Eslovênia e US$ 20 milhões foram doados à Organização Mundial da Saúde (OMS). No continente africano, o conglomerado de tecnologia Alibaba Group, do empresário Jack Ma, distribuiu 20 mil kits de testes para o coronavírus, e cerca de 100 mil máscaras e outros equipamentos chegaram a 54 nações.
A diplomacia do vírus adotada pelos chineses é parte solidariedade, parte política. O governo entende que o mundo, no momento de crise avassaladora, deve ser pautado pela cooperação, e não pela competição, um discurso contrário, por exemplo, ao da Casa Branca - e de seus seguidores, mundo afora, como o governo brasileiro, cujo ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo comprou briga, na semana passada, com a embaixada chinesa ao chancelar as opiniões do deputado federal Eduardo Bolsonaro de que o país asiático foi culpado pelo vírus.
O crescimento da projeção chinesa também é um dos motivos da irritação do presidente Donald Trump, que tem chamado o coronavírus de “vírus chinês” em seus pronunciamentos - comportamento emulado pelo filho do presidente brasileiro, insuflado pelo ex-estrategista da campanha republicana nos Estados Unidos e agitador online Steve Bannon.
A ofensiva chinesa é também forma de gratidão: no auge da crise, o governo aceitou doações de máscaras e outros suprimentos de quase 80 países e 10 organizações. Agora, está retribuindo.
Por trás da ajuda, há claro, interesses. Primeiro em limpar a imagem internacional prejudicada pelo fato de o vírus ter surgido em Wuhan, província de Hubei, e o governo ter ocultado dados no início da crise. Segundo em projetar poder e influência, algo que os chineses já vinham fazendo nos últimos anos com investimentos pesados na Europa e principalmente na África e América do Sul - seu One Road, one Belt (a interconexão em infraestrutura chamada Nova Rota da Seda é apenas o exemplo mais visível).
A diplomacia do vírus tem aparecido em artigos na mídia estatal chinesa: “A luta contra o coronavírus na China demonstra o papel da China como uma potência responsável”, informa um artigo publicado em 19 de março pelo Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista Chinês. Logo no início há uma frase do presidente Xi Jinping é uma espécie de mantra do da missão que os chineses se impuseram: “Resguardemos resolutamente a segurança da vida e a saúde física do povo chinês. Também salvaguardamos resolutamente a segurança da vida e a saúde física das pessoas em todos os países do mundo e esforçamos -nos para contribuir para a segufrança global da saúde pública”. Outro artigo amplamente divulgado no país enfatiza a rapidez com que a China mobilizou ajuda a Paquistão, Coreia do Sul, Japão, Irã e Itália.
O resultado desse forte apoio chinês no momento de fragilidade global é que o país está, aos poucos, redesenhando a geopolítica mundial. Em momentos de grandes desastres, ao longo da história do século 20, foram os Estados Unidos e o Ocidente os grandes líderes globais. Theodore Roosevelt mediou desavenças internacionais, pondo fim a conflitos, Woodrow Wilson liderou os Estados Unidos na I Guerra Mundial e participou ativamente do processo de paz e na criação da Liga das Nações, Franklin Delano Roosevelt salvou a economia da Grande Depressão com o New Deal e, depois, com Winston Churchill, comandou o desembarque na Normandia, para livrar a Europa dos nazistas. Harry Truman promoveu o Plano Marshall, que ajudou a reconstruir a Europa.
De volta aos dias de hoje, alertado em como os chineses estão ganhando espaço na geopolítica mundial, o governo Donald Trump ensaiou uma política de boa vizinhança globalÇ ofereceu ajuda ao Irã, país que está sob sanções americanas em razão do projeto nuclear. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, rejeitou o apoio.
O regime de Xi Jinping, questionado inclusive internamente por ter escondido o coronavírus, agora se aproveita das falhas dos governos do Ocidente, que titubearam inicialmente no enfrentamento da pandemia. Com caminhões do exército transportando corpos e o sistema de saúde de nações como Itália e Espanha estão em colapso, autoridades europeias não estão em condições de questionar a ajuda, de onde vêm máscaras e kits, ou os interesses por trás da solidariedade. O empenho de Pequim revela que, passada a pandemia, o mundo estará dividido entre aqueles que culparam a China pela origem da doença e aqueles que ficaram ao seu lado e aceitaram sua ajuda.
O que a China está fazendo
Segundo o governo, o país restou ajuda a mais de cem nações até agora
- Doação de US$ 20 milhões à OMS
- 2 milhões de máscaras cirúrgicas e 50 mil kit de testes para a União Europeia
- Envio de médicos à Itália
- Envio de 2 mil testes rápidos para as Filipinas
- No dia 12, Nove chineses e profissionais da saúde chegaram à Itália com toneladas em ajuda em medicamentos
- Na quarta, um avião cargueiro chegou à Bélgica com doações para o país, para a França e Eslovênia
- Especialistas em saúde fazem reuniões por videoconferência com pesquisadores na Europa Central e do Leste
- Alibaba Group doou 20 mil kits de testes, 100 mil máscaras e outros equipamentos para 54 nações africanas
- Envio de médicos equipamentos ao Oriente Médio, incluindo Egito, Líbano e Síria. Médicos chegaram ao Iraque e ao Irã