Atacar a embaixada de um país estrangeiro é um fato grave, que viola o direito internacional. Por isso, a invasão da representação dos Estados Unidos em Bagdá – o prédio mais fortificado de uma nação onde a maioria das edificações está aos frangalhos em razão das sucessivas guerras – é um ato condenável por seu aspecto simbólico, mas principalmente porque tem potencial para trazer à tona rivalidades latentes que podem fazer o Iraque ser sugado, de novo, para o caos social.
Se você for à capital iraquiana, dificilmente encontrará algum cidadão que considere seu país hoje melhor do que à época de Saddam Hussein, destronado pela invasão americana em 2003.
Havia ditadura, censura, tortura e outras violações aos direitos humanos. Mas o Iraque era mais estável do ponto de vista da segurança. As mãos sujas de sangue de Saddam mantinham a fórceps uma sociedade dividida entre facções diferentes do Islã, principalmente entre xiitas e sunitas, unificada em torno do medo.
A derrubada do ditador abriu a caixa de pandora, fazendo não apenas a maioria xiita se vingar da minoria sunita – grupo de Saddam –, como atraiu, como ímã, para o Iraque atores externos, até então nunca presentes no cenário iraquiano, como jihadistas da rede Al-Qaeda que deram origem ao grupo terrorista Estado Islâmico (EI).
Quando se pergunta a um iraquiano quem são os culpados pela instabilidade do país, eles não apontam o dedo para xiitas, sunitas ou os barbudos do Daesh – como se referem aos terroristas do EI. São os americanos os responsáveis, segundo eles.
Esse sentimento antiamericano cresceu muito nos últimos anos no país. O ódio expresso nos atos dos invasores da embaixada na terça-feira traz embutida uma máxima que ouvi nos sete dias em que estive em Bagdá em 2016: "Ruim com Saddam, pior sem ele". A cada 24 horas em que permaneci na capital iraquiana, ocorria pelo menos um atentado – o maior deles, matou mais de 90 pessoas quando bombas explodiram em um mercado de Cidade Sadr.
O ataque à embaixada foi uma resposta ao bombardeio americano contra a facção pró-Irã Kataib Hezbollah, que, por sua vez, havia sido uma retaliação à morte de um empreiteiro americano em um ataque com foguete contra uma base no Iraque.
O presidente dos EUA, Donald Trump, reagiu pelo Twitter acusando o Irã de orquestrar a invasão e disse que irá responsabilizar o país. Tal tipo de conclusão apressada pouco contribui para reduzir a tensão.
Ao contrário, tem o mesmo baixo nível de racionalidade que o governo Nicolás Maduro exibiu ao dizer que o Brasil apoiou o ataque a uma unidade militar dentro de seu país.
Quando estão acuados, alguns governantes costumam reagir com a diplomacia do canhão. Presidentes ameaçados buscam falar grosso na política externa – em especial quando as eleições se aproximam.
Foi assim com Bill Clinton, em 1998, no Afeganistão, Sudão e Iraque. Esperamos que não seja assim com Trump, em 2020.