À meia-noite (20h de Brasília) de sexta-feira (31) para sábado (1º), a União Europeia (UE) perderá pela primeira vez um Estado membro, um dos maiores e mais ricos países do bloco. O que muda na prática para o Reino Unido e para o bloco europeu?
Nada e tudo ao mesmo tempo. Nada porque, na prática, o livre-comércio e a liberdade de movimento entre o país e a UE vão continuar até 31 de dezembro de 2020, período durante o qual as duas partes negociarão sua relação futura. O Reino Unido vai continuar a contribuir para o orçamento da UE e e ainda será regido pelas leis da UE.
Ao mesmo tempo, tudo muda. O aspecto simbólico da saída foi concretizado na sessão desta quarta-feira (29) no Parlamento Europeu, que teve tom histórico e melancólico. Os eurodeputados que ficaram despediram-se dos colegas britânicos de saída cantando "Auld Lang Syne", música popular de adeus e renovação, inspirada no poema escocês de Robert Burns, de 1788. Os que deixaram o plenário o fizeram carregando bandeiras britânicas em uma demonstração de nacionalismo poucas vezes visto na Europa que sonhou com uma entidade supranacional a reordenar um mundo caótico pós-1945.
É certo que os britânicos, cidadãos do arquipélago de Sua Majestade, nunca se sentiram parte da Europa: aderiram ao bloco tardiamente, mantiveram sua forte moeda, a livra, ao invés de adotarem o euro, entre outras posições que mostravam, que nesse casamento, um dos lados não se entregava completamente. Mas é verdade também que de um modo ou de outro uma das razões de ser da UE foi cumprida: inspirados por um ideal kantiana, países vizinhos, que fazem comércio entre si, não entraram em guerra. Nas últimas décadas, a integração política, econômica e social evitou novos conflitos de proporções continentais.
Um dos discursos mais lúcidos sobre o Brexit foi feito pelo eurodeputado belga Guy Verhofstadt.
– É triste ver sair um país que por duas vezes nos libertou, que por duas vezes deu o próprio sangue para libertar a Europa – disse ontem.
Em seguida, ele completou:
– Como é possível que mais de 40 anos após uma maioria esmagadora, 70%, terem votado a favor de aderir à família europeia, 40 anos depois tenham decidido sair do projeto europeu? Desde o resultado do referendo (do Brexit), há mais de três anos, ouvi muitas opiniões. Alguns dizem que eles (os britânicos) têm medo de perder a soberania. Mas, colegas, o que a soberania significa em um mundo completamente dominado por potências como a China, a Índia, os EUA, em um mundo em que temos que enfrentar problemas transnacionais como as mudanças climáticas? Os países europeus perderam a sua soberania há muito. A Europa é uma maneira de manter a soberania nos próximos anos.
Deixemos de lado, por alguns instantes, as incertezas econômicas e políticas, o abismo que virá se não houver um acordo de divórcio pacífico, o hiato em que ficarão muitos imigrantes no Reino Unido e a incógnita dos britânicos que não poderão trabalhar tão facilmente na UE. Tudo isso é muito importante — e a razão de ser do Brexit. Mas há um aspecto emocional e histórico que não se pode negar: é o sonho de uma Europa unida a partir dos escombros da Segunda Guerra que chega ao fim.