O tratado de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE), fechado nesta sexta-feira (28) após duas décadas de idas e vindas, abandonos, recomeços e, por fim, o aperto de mãos em Bruxelas, é a maior vitória da política externa de Jair Bolsonaro até aqui.
Muitos presidentes tentaram antes. As primeiras conversas ocorreram no longínquo 1999, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Os diálogos avançaram em 2004, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, mas brecaram em seguida. Em 2010, as negociações foram relançadas, caminharam vagarosamente com o mundo ainda sob os efeitos da crise econômica de 2008. Pararam de novo. Em 2016, os dois blocos voltaram a trocar propostas e, de lá para cá, foram afagos e birras de ambos os lados.
A História lembrará que a conquista é do governo Bolsonaro, porque o tratado foi coroado durante seu mandato, mas trata-se de uma construção conjunta de décadas de diplomacia. Não apenas dos sucessivos mandatários do Mercosul — à esquerda e à direita —, mas também de negociadores do bloco supranacional europeu de diferentes espectros políticos.
O acordo chega no momento em que a política externa brasileira dava sinais ao mundo de uma inflexão histórica. Primeiro, foram as críticas disparadas pelo chanceler Ernesto Araújo ao chamado globalismo: o suposto conluio internacional financiado por elites progressistas, para chegar ao poder e colocar em prática uma agenda de esquerda. Muito se imaginou que seria um ataque à globalização. As frases que saíam de Brasilia fizeram observadores internacionais olharem estranho para o lado de cá do planeta.
Depois, veio o alinhamento automático com os Estados Unidos, a maior aproximação desde o regime militar instaurado por Castelo Branco. O Itamaraty sob Bolsonaro insinuava desdenhar da posição multilateral que baseou a política externa brasileira por décadas.
Em seguida, veio a decisão perigosa de transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém — após os árabes gritarem, ameaçarem com retaliações, o que aconteceu foi a abertura apenas de um escritório comercial na Cidade Sagrada. Se levasse adiante a ideia de reconhecer Jerusalém como capital israelense, o país também estaria assumindo um lado do conflito no Oriente Médio e abrindo mão de sua clássica posição de neutralidade.
Outra guinada que a observadores globais soou estranha foi com relação à Venezuela. A intenção, ainda que velada, de intervir militarmente para desbancar o ditador Nicolás Maduro, ventilada pelo setor ideológico do Planalto, contraria outro dos princípios pétreos das relações exteriores brasileiras: o da não intervenção, caro aos funcionários de carreira da Casa de Rio Branco.
Nesses seis meses, houve ainda a absurda orientação passada aos diplomatas na Organização das Nações Unidas (ONU) e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) a frisar que gênero é apenas sexo biológico: feminino ou masculino. E ainda a retirada do Brasil do Pacto Global pela Imigração e as ameaças de sair do acordo climático de Paris. Aliás, tudo indica que a garantia dada por Bolsonaro de que o país não abandonará o pacto tenha sido fundamental para a assinatura do acordo Mercosul-União Europeia. Na quinta-feira (27), às vésperas da reunião de cúpula do G20 no Japão, o presidente francês, Emmanuel Macron, havia dito que não assinaria nenhum acordo comercial com o Brasil se a nação se retirasse do tratado.
Segundo o governo, o acordo permitirá aumentar em US$ 100 bilhões as exportações para o bloco europeu. A pasta da Economia estima que o tratado representará um incremento de US$ 87 bi em 15 anos ao Produto Interno Bruto (PIB). É a primeira boa notícia vinda das relações exteriores do atual governo, depois de meses em que o mundo olhou para o Brasil com desconfiança.