Os dados estão rolando longe de Caracas. Enquanto você lê esse texto, o futuro da Venezuela passa distante da Assembleia Nacional, da qual Juan Guaidó é presidente, ou do Palácio de Miraflores, o castelo de Nicolás Maduro. As cartas são dadas por Washington e Moscou em trocas de correspondências diplomáticas e telefonemas. Se dentro das fronteiras venezuelanas segue o impasse entre Maduro e Guaidó é porque, do lado de fora, também há divisão. A Venezuela é o campo de batalha latino-americano da velha nova Guerra Fria.
Maduro e Guaidó são como bonecos de corda de Vladimir Putin e Donald Trump. O primeiro teria fugido para Cuba na terça-feira não fosse aparentemente um telefonema do Kremlin, que lhe garantira segurança mediante a promessa de que resistiria em Caracas. O segundo só caminha, corajosamente, de peito aberto por praças e avenidas de Caracas porque tem garantias da Casa Branca de que, se algo ameaçar sua integridade física, os americanos despejarão sua ira sobre o Caribe. Maduro não vai pagar para ver.
Tudo indica que a solução para a crise na Venezuela não chegará pelas Nações Unidas, órgão multilateral criado para gerir a paz e a guerra no mundo – e que enfrenta suas próprias limitações justamente pelo modelo de pesos e contrapesos de sua gênese pós-II Guerra. Em fevereiro, tivemos uma amostra de como Rússia e EUA se auto anulam no órgão máximo, o Conselho de Segurança. A discussão era sobre a entrada da ajuda humanitária. Os americanos tiveram bloqueada, por Rússia e China, a resolução que exigia que Maduro permitisse o ingresso e reclamava a convocação imediata de eleições. Ato contínuo, potências ocidentais rejeitaram a contra moção russa, que convocava a comunidade internacional a se comprometer em respeitar a soberania venezuelana.
O sonho dos EUA seria o Brasil liderar uma coalizão internacional sob a bandeira da Organização dos Estados Americanos (OEA), mais fácil de ser levada adiante do que via ONU. No órgão que reúne os países do continente americano, historicamente orientado por Washington, russos e chineses não metem o bedelho. Bom para os americanos.
A ala militar do Planalto, encabeçada pelos generais Hamilton Mourão e Augusto Heleno, tem desaconselhado a intervenção, enquanto o setor ideológico, que tem o chanceler Ernesto Araújo à frente, não disfarça o gosto pela ideia de acabar de uma vez por todas com o bolivarianismo. Há desconfianças – inclusive dentro do Itamaraty – sobre o que Araújo fora negociar em Washington esta semana, em conversas com dois falcões do governo Trump, os linha-dura John Bolton, assessor de Segurança Nacional, e Mike Pompeo, secretário de Estado.
O efetivo de mobilização rápida inicial dos EUA envolve entre 1,5 mil e 5 mil homens e mulheres capazes de ser deslocados com equipamentos para qualquer lugar do mundo em poucas horas. Ou seja, se essa é uma das opções sobre a mesa de Trump para a Venezuela, não tardará.
Mas um dos princípios fundamentais do Direito Internacional é o da não-intervenção em país soberano. Qualquer ação armada precisa ser autorizada pelo Conselho de Segurança. O que não irá acontecer. Na eventualidade de uma resolução proposta por americanos que preveja o uso da força contra Maduro esta será vetada por Rússia e China – os dois sustentáculos do regime.
Do contrário, nas palavras de funcionários do Kremlin, seria “a primeira vez que o Conselho de Segurança ignoraria o presidente de um país (Maduro) e nomearia outro (Guaidó). Um ataque sem o aval da ONU seria ilegal.
Sem possibilidade de ação pela ONU e com a OEA e o Grupo de Lima viciados pelas posições ideológicas de seus governos, urge a criação de um fórum independente para mediar a crise. Ou ao menos apontar um mapa do caminho.