Começou na Síria cansada de guerra. Em dezembro de 2018, Donald Trump retirou 2 mil soldados americanos do país. Não foi apenas uma manobra no terreno. Como Barack Obama havia feito no Iraque, o presidente republicano estava reduzindo a influência americana no Oriente Médio. Vladimir Putin, que colocou os russos no lamaçal sírio em 2015, aumentou a presença no front, firmou posição ao lado de Bashar al-Assad e foi o responsável por segurá-lo no poder.
A guerra ainda não acabou, mas as ações do Estado Islâmico no país foram reduzidas, a oposição acabou massacrada e Putin ensaia a posição de pacificador — mesmo que do lado de um ditador sanguinário. Hoje, quem dá as cartas no Oriente Médio não são, sozinhos, a Casa Branca e seus aliados de ocasião.
Como exímio jogador de xadrez, Putin é especialista em ocupar na geopolítica o vácuo aberto por potências ocidentais _ em especial quando percebe que está perdendo influência em áreas que lhes são caras. Foi assim no Oriente Médio, mais explosivo campo de batalha entre Estados Unidos e Rússia. É assim na Península Coreana.
Percebendo o flanco que Trump havia escancarado em Hanói ao deixar a mesa de negociações antes da hora, o presidente russo lançou o canto da sereia sobre Kim Jong-un, convidando-o a ir Vladivostok. O diálogo nesses dois dias não teve os mesmos holofotes do primeiro encontro de Trump e Kim, em Singapura, mas o resultado é quase o mesmo: promessas de desnuclearização. A diferença é que agora, como Al-Assad no Oriente Médio, Kim tem um fiador de peso.
A participação da Rússia é também uma questão de prestígio e reputação. Com o lance, Putin recuperou a voz ativa na região _ que divide com a China e que estava sendo abafada pelos EUA. Na pior das hipóteses, o Kremlin pode ser visto como apoiador de ditadores ou violador de sanções da ONU que pesam sobre a Coreia do Norte. Na melhor, passará à história como contribuinte para, senão a pacificação da península coreana, no mínimo a contenção do arsenal atônico norte-coreano.
Os russos dispõem de uma diplomacia de alto nível, formada segundo preceitos do realismo político, escola de pensamento político que prega a ação dos Estados com intuito de maximizar ganhos individuais e aproveitar lapsos de adversários para extrair vitórias. Putin aproveitou os lapsos americanos na Síria e na Coreia do Norte. Residem aí lições que os Estados Unidos devem aprender senão quiserem perder também influência na América Latina: a falta de diálogo na Venezuela de Nicolás Maduro, por exemplo, é caminho aberto para Putin ocupar. O sinal já veio com o envio das aeronaves militares a Caracas e sucessivos bloqueios a ações mais severas contra o regime madurista no Conselho de Segurança.
No campo político, a Rússia é hoje a única potência que realmente faz contraponto à influência dos Estados Unidos no planeta. Ironicamente, a seu jeito e muitas vezes atropelando a democracia, Putin põe em prática uma versão russa da promessa de Trump de "fazer a América grande de novo".