Nomeado em 3 de janeiro assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o paulista Filipe Garcia Martins Pereira chama atenção pela pouca idade e a ascensão rápida ao círculo próximo do presidente Jair Bolsonaro. Aos 31 anos, ele ocupa o posto que, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, era exercido pelo gaúcho Marco Aurélio Garcia. Assim como o antecessor, morto em 2017 e pilar do PT por anos em temas de política externa, Martins também tem relação com o Rio Grande do Sul.
Nasceu em Sorocaba, mas cursou parte do bacharelado em Relações Internacionais (RI) na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Entre 2011 e 2013, ele morou na cidade do sul do Estado, período no qual foi bolsista, atuando, segundo seu currículo Lattes, como monitor com carga horária de 20 horas da disciplina de Microeconomia, sob orientação do professor Jabr Hussein Deeb Haj Omar, atual diretor do Centro de Integração do Mercosul.
Martins deixou o Estado em 2013, mudando-se para a capital federal, onde concluiu a graduação na Universidade de Brasília (UNB). Nessa época, também atuou como monitor, desta vez da disciplina de Comércio Internacional. Mas foi graças aos cursos online do filósofo Olavo de Carvalho que ele aprofundou conhecimentos e críticas ao chamado “globalismo”, a ideia pela qual regimes e organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Greenpeace e universidades estão a serviço da ideologia marxista financiada por elites progressistas.
Martins passou a escrever artigos no site Senso Incomum, do qual se desfiliou na semana passada para garantir a “independência” da publicação. Nos textos, ele ecoa pensamentos do que muitos especialistas chamam de nova direita brasileira, inspirada nas ideias de Carvalho: “Vocês já pararam para pensar por que a imprensa, a ONU, a UE (União Europeia), as ONGs e os políticos falam tanto em direito à saúde e à educação? E por que a saúde e a educação estão cada vez piores? Já se perguntaram por que cada vez mais somos submetidos a decisões tomadas por burocratas anônimos e não pelos nossos representantes eleitos?”, questiona em texto de fevereiro de 2017.
Seu nome começou a aparecer na comunidade de RI e aspirantes a diplomatas a partir de 2013, quando passou a postar em um grupo fechado no Facebook chamado Instituto Rio Branco – Low Profile, que conta com 8,1 membros.
– Ele não era propriamente do meio acadêmico porque tinha apenas graduação, mas foi um dos primeiros a propor uma ideia antiglobalista na Academia – conta um integrante do grupo.
Em texto de agosto de 2017 no site Senso Incomum, Martins qualificou Steve Bannon, ex-estrategista-chefe da campanha de Donald Trump e guru da direita alternativa nos EUA (alt-right) como “genial”. Em novembro daquele ano, argumentava por que, em seu entendimento “o dia da consciência negra a morte da cultura negra”. Em vídeo no YouTube, de 10 de agosto de 2017, Martins aparece ministrando palestra em uma igreja cristã lotada. O tema: “Por que e como ser antiglobalista hoje?”
Em sua fala, ele costuma dar roupagem acadêmica às ideias de Olavo de Carvalho. Frequentemente, cita teóricos de RI, como Joseph Nye e Hans Morgenthau. Diferentemente do chanceler Ernesto Araújo, que é mais recluso, Martins é visto como “uma pessoa mais aberta”.
– Ele escuta, debate, concorda em parte – diz um conhecido.
O jovem chegou a Bolsonaro por meio dos filhos do político: o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Tornou-se diretor de assuntos internacionais do partido por indicação de Olavo de Carvalho. Acompanhou, em dezembro, Eduardo em viagem aos Estados Unidos, na qual houve encontros com Bannon e com o senador Marco Rubio, estrela jovem do Partido Republicano.
Conhecedores do Itamaraty questionam sua pouca experiência. O cargo normalmente é ocupado por um diplomata, muitas vezes ex-embaixador, ou alguém com mestrado ou doutorado em áreas como RI, Ciências Políticas ou Econômicas. Em seu perfil no Twitter, Martins se apresenta como professor de política internacional e analista político. No Lattes, descreve sua “especialização em geopolítica, análise de riscos e forecasting” e como “professor de Política Internacional para candidatos à carreira diplomática e de Política e Segurança para candidatos à carreira de oficial de inteligência da Abin”.
O cargo de assessor especial para assuntos internacionais, assumido por Filipe Martins, faz a conexão entre o presidente e o Itamaraty. Lotado no Planalto, no gabinete presidencial, o posto é mais ou menos valorizado a cada mandato, dependendo da personalidade e interesse do chefe do Executivo em temas internacionais. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, usava muito pouco a assessoria porque ele próprio fazia a chamada “diplomacia presidencial”. Luiz Inácio Lula da Silva, por outro lado, concedeu a Marco Aurélio Garcia superpoderes. O assessor dividia com o chanceler Celso Amorim áreas de atuação. Enquanto ministro cuidava de questões vinculadas a EUA, Europa, Ásia (o famoso acordo de Teerã) e relação Sul-Sul, Marco Aurélio ficava encarregado de temas da América Latina.
– Marco Aurélio Garcia ficou conhecido no Itamaraty como “embaixador de América Latina”, o que não era bem visto internamente porque ele assumia prerrogativas acima do que os diplomatas de carreira achavam adequados. Ele estava se sobrepondo ao papel de embaixadores na região – conta um conhecedor da política externa brasileira.
Marco Aurélio era responsável pela articulação entre os governos de esquerda do continente, atuando em crises como a do ex-presidente Manuel Zelaya, que se refugiou por meses na embaixada brasileira em Honduras, a nacionalização de instalações da Petrobras pelo governo de Evo Morales, na Bolívia, e encontros com presidentes de esquerda, como Néstor e Cristina Kirchner (Argentina), Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador).