Os próprios repórteres que assinam a reportagem do The New York Times que desvendou as entranhas do Facebook contaram, em detalhes, a lógica por trás da empresa de Mark Zuckerberg e por que é tão grave a descoberta.
De uma forma ou de outra, todos nós sabemos que, ao curtir um post, compartilhar uma foto ou marcar um lugar, estamos abrindo as portas de nossas vidas à companhia do Vale do Silício. Em troca de acesso gratuito a contas nas redes sociais, permitimos que empresas usem nossos dados pessoais para segmentar e vender publicidade. O que não se sabia é que o monstro era maior – e que não bastava clicar em uma das opção de "não compartilhar" para garantir que nossa privacidade estivesse a salvo.
Em abril, ao testemunhar no Congresso americano, Zuckerberg foi taxativo:
– Não vendemos dados a ninguém.
Até pode ser verdade. Não houve "venda" propriamente dita. O que aconteceu, segundo os documentos obtidos pelo Times, foi um acordo, uma parceria, para o compartilhamento de dados de seus 2,2 bilhões de usuários com outras gigantes de tecnologia como Netflix, Spotify e Microsoft. Em troca, o Facebook atraía novos usuários, o que inflava seus números de audiência, atraia mais publicidade e dinheiro.
O caso revelado pelo Times é pior do que o escândalo deste ano que relacionava o Facebook à Cambridge Analytica. A empresa de consultoria política obteve informações privadas de mais de 80 milhões de usuários. Esses dados teriam sido usados para influenciar eleitores durante a disputa presidencial nos Estados Unidos, em 2016.
A reação do Facebook, ao menos publicamente, foi de rever sua política de privacidade, garantindo maiores controles e mais transparência. Porém, a denúncia que agora vem à tona mostra que a empresa concedeu muito mais informações – em quantidade e qualidade – às parceiras, entre elas endereços de email e números de telefone, sem o consentimento dos usuários. São 2,2 bilhões de internautas. Os dados também foram compartilhados com muito mais empresas – mais de 150 segundo a reportagem. De diferentes segmentos, inclusive de mídia – e entre elas, o próprio Times.
Os jornalistas afirmam que, enquanto os usuários do Facebook podem controlar quais dados compartilham com a maioria dos milhares de aplicativos na plataforma do Facebook, algumas empresas tinham acesso a informações dos usuários, mesmo se tivessem desativado todo o compartilhamento. Muitos dos aplicativos em questão nunca apareceram nas configurações de usuários do Facebook.
As parcerias datam de 2010, período de expansão da empresa. Mas as denúncias mostram que não havia controle mesmo depois de sucessivos escândalos. Uma companhoa russa de mídia social, a Yandex, suspeita de laços com o governo de Vladimir Putin, ainda tinha acesso aos IDs de usuários únicoss do Facebook há anos, mesmo depois que empresa de Zuckerberg ter, supostamente, cortado outros aplicativos dos dados, citando preocupações de segurança.
Da mesma forma, o Facebook deu ao Yahoo a capacidade de exibir o feed de notícias de um usuário do Facebook — incluindo as mensagens de amigos — na página inicial da empresa de pesquisa. O Yahoo cortou o recurso em 2012. Mas, desde o ano passado, ainda tem acesso a dados de cerca de 100 mil pessoas por mês.
Em 2011, o Facebook fechou um acordo com a Federal Trade Commission, que obrigava a empresa a reforçar sua política de privacidade e tornar mais transparentes suas práticas. A companhia contratou uma consultoria independente, PricewaterhouseCoopers, para avaliar seus procedimentos e reportar ao órgão federal a cada dois anos. No texto dos repórteres do Times, eles explicam que quatro ex-funcionários da FTC disseram que os acordos de compartilhamento de dados provavelmente violaram o acordo, já que os usuários não tinham como saber com quais empresas o Facebook compartilhava seus dados. Pelo menos uma avaliação feita pela PricewaterhouseCoopers, em 2013, descobriu que o Facebook pouco fizera para garantir que os dados compartilhados fossem devidamente salvaguardados.
A reportagem do Times foi assinada por Nicholas Confessore, repórter de política e investigativo que atua desde 2004 no jornal, por Michael LaForgia, jornalista investigativo e ganhador de dois Prêmios Pulitzer, e por Gabriel Dance, editor assistente de investigações, ex-The Guardian e integrante da equipe que recebeu o Pulitzer na categoria Serviço Público de 2014 pela cobertura da vigilância secreta empreendida pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês).