Durante anos, o Facebook esquivou-se de dar explicações, de cumprir leis e regulações nacionais, dizendo que não é uma companhia de mídia, mas de tecnologia. Colocava-se como uma empresa supranacional, acima do bem e do mal. Isso acabou nesta terça-feira, às 15h15min pelo horário de Brasília.
Seu incensado fundador Mark Zuckerberg, ao pisar no Capitólio, em Washington, responde por violações à lei. Como qualquer ser humano. Além da sala diante da qual testemunhou nesta terça-feira, também terá de ir a duas outras comissões – mais uma do Senado e outr da Câmara. O Facebook entrou para o hall de gigantes que precisaram se explicar perante a opinião pública americana – e ato contínuo mundial –, como Microsoft, em 1998, Napster, em 2000, e Enron, em 2002.
A diferença, desta vez, é que a fala de Zuckerberg mexe com a vida de todos nós. O Facebook tem sido, de um ano para cá, acusado de várias irregularidades — da suposta influência nas eleições americanas, tendo facilitado a propagação de notícias falsas que ajudaram a eleger Donald Trump, até a descoberta do vazamento de dados (nossos dados!) vendidos sem autorização para a divulgação de propaganda política pela consultoria Cambridge Analytica.
Se no Brasil o assunto do mês até agora é a prisão do ex-presidente Lula e discussões jurídicas sobre habeas-corpus e detenção em segunda instância, nos EUA as explicações de Zuckerberg dominam o noticiário. O tema mistura tecnologia, política e comportamento como poucas vezes se viu na história americana.
Durante todo o dia, o rosto de Zuckerberg estava tão presente em Washington quanto sua rede social nos smartphones dos usuários mundo afora. O grupo digital Avaaz espalhou na frente do Capitólio cerca de cem bonecos em tamanho real no qual o empresário aparecia com uma camiseta com a inscrição: "Conserte o Facebook".
The Washington Post trouxe em sua home no site: "Zuckerberg enfrentará os duros holofotes do Congresso – O presidente do Facebook deve explicar como sua empresa ameaçou a privacidade de dezenas de milhões de americanos, além de espalhar notícias falsas e permitir a desinformação russa". No New York Times, o colunista Andrew Ross Sorkin criticou: "Nossa privacidade desapareceu e estamos ok com isso". A rede CNN destacou em manchete: "Facebook sob fogo".
Com uma dose de ironia, o próprio Zuckerberg afirmou em sua página no Facebook que, em uma hora, estaria no Senado: "Vou testemunhar diante do Senado sobre como o Facebook precisa ter uma visão mais ampla de nossa responsabilidade - não apenas para construir ferramentas, mas para garantir que essas ferramentas sejam usadas para o bem", disse com uma foto do Capitólio como ilustração.
O escândalo respinga de forma global. A ida do empresário ao Congresso americano tem provocado a ira (e um pouco de inveja) entre parlamentares britânicos, que também queriam levá-lo a depor em Londres. Lá, o problema é outro: a influência das fake news na votação do Brexit.
O jornal The Guardian acompanhou com link ao vivo o testemunho do outro lado do Atlântico e antecipou que Zuckerberg iria posicionar sua empresa, diante dos senadores americanos, como "uma força positiva". O também britânico Independent afirmou: "Zuckerberg enfrenta perguntas do Congresso em audiência que pode mudar o Facebook para sempre".
Também na Espanha, onde as notícias falsas propagadas por meio da rede social repercutiram no referendo separatista da Catalunha, o assunto ganhou atenção. O jornal El País destaca o mea culpa do empresário: "Foi meu erro".