Sem que os usuários soubessem ou tivessem consentido, durante pelo menos oito anos, o Facebook cedeu a empresas como Amazon, Yahoo, Microsoft e Spotify dados pessoais de milhares de internautas, violando regras de privacidade e expondo conversas e preferências.
A denúncia é resultado de uma das maiores investigações jornalísticas já feitas sobre as entranhas da empresa de Mark Zuckerberg. O jornal americano The New York Times teve acesso a 270 de páginas de documentos internos do Facebook e entrevistou mais de 60 pessoas, entre ex-funcionários da companhia, empresas parceiras, ex-integrantes do governo e advogados especializados. O resultado: um novo escândalo que revela o descaso da empresa do Vale do Silício com suas próprias regras de privacidade e apesar da pressão de autoridades americanas por maior transparência.
Os documentos datam de 2017 e detalham as parcerias desde 2010. Conforme o jornal, "os dados pessoais dos usuários se tornaram a mercadoria mais valorizada da era digital, negociada em larga escala por algumas das empresas mais poderosas do Vale do Silício". A reportagem, assinada pelos jornalistas Gabriel Dance, Michael LaForgia e Nicholas Confessore, revela que o compartilhamento de informações beneficiava a todos — menos aos usuários. Por parte do Facebook, a empresa conseguia mais internautas, inflando seus números e elevando sua receita de publicidade. Por sua vez, as empresas parceiras tornavam seus produtos mais atraentes, uma vez que tinham acesso a preferências, hábitos e até conversas privadas dos usuários do Facebook e seus amigos.
Um dos trechos dos documentos detalha que a empresa permitiu que o mecanismo de busca Bing, espécie de Google da Microsoft, visse os nomes de praticamente todos os amigos dos usuários da rede social sem consentimento dos mesmos. Outro texto da série de 270 páginas comprova que Netflix e Spotify também conseguiam ler mensagens privadas dos internautas do Facebook. A empresa ainda permitiu que a Amazon e o Yahoo obtivessem nomes de usuários e seus amigos, além de outras informações privadas — inclusive de pessoas que negaram o compartilhamento dos próprios dados. Tudo isso, apesar das declarações públicas de porta-vozes da companhia e do próprio Zuckerberg de que o Facebook havia interrompido esse tipo de compartilhamento e vinha implementando novas práticas de transparência.
As revelações aprofundam a crise de credibilidade que atinge a toda-poderosa empresa de Zuckerberg, com 2,2 bilhões de usuários. Em março, outra investigação jornalística do Times, desta vez em parceria com The Guardian, mostrou que dados pessoais de até 50 milhões de americanos tinham sido obtidos irregularmente a partir do Facebook e utilizados de modo indevido para fins eleitorais — inclusive com o objetivo de favorecer a campanha de Donald Trump à presidência dos EUA nas eleições de 2016. Reconhecendo que havia violado a confiança dos usuários, o Facebook insistiu que havia instituído proteções de privacidade mais rigorosas há muito tempo. Zuckerberg garantiu perante o Congresso americano, em abril, que as pessoas "têm controle total" sobre tudo o que compartilham.
Não é o que comprova a nova reportagem publicada nesta terça-feira. Os documentos e as entrevistas revelam que o Facebook permitia que suas empresas parceiras tivessem acesso aos dados pessoais, mesmo que as pessoas negassem. Pelo menos 150 empresas — a maioria de tecnologia, de vendas online e de sites de entretenimento — receberam o livre-acesso às informações privadas.
Em entrevista, Steve Satterfield, diretor de privacidade e políticas públicas do Facebook, disse que nenhuma das parcerias violava a privacidade dos usuários. Segundo ele, os contratos exigiam que as empresas cumprissem as políticas do Facebook. Por meio de porta-voz, a empresa de Zuckerberg afirmou que não há evidências de abuso por parte de seus parceiros. As companhias Amazon, Microsoft e Yahoo afirmaram que usaram os dados de forma apropriada, mas se recusaram a discutir acordos de compartilhamento.