No mês passado, milhões de pessoas entregaram-se alegremente a um teste que apareceu na sua linha do tempo de Facebook e que prometia revelar como elas seriam se fossem do sexo oposto.
Ao fazê-lo, permitiram que a empresa russa que desenvolveu o software não só acessasse suas fotos, mas também vários outros dados do perfil, incluindo e-mail, lista de amigos e padrões de navegação. Deram também autorização para que a empresa transformasse esses dados pessoais em mercadoria, negociando-os com outras companhias, que poderiam explorá-los a seu bel-prazer.
Por trás do que parecia uma brincadeira inocente, escondia-se aquela que, apesar de desconhecida pela maioria, muitos consideram ser uma lei fundamental da internet: "Se você não está pagando nada, é porque você é o produto".
Essa é a lógica, e um dos perigos, por trás de serviços "gratuitos" como Facebook, Google, YouTube e tantos outros. Como o escândalo envolvendo a empresa Cambridge Analytica revelou, os dados de usuários da rede são um bem valioso, que pode ser usado com fins sinistros.
No caso em questão, acredita-se que eles tenham sido utilizados para influenciar eventos de impacto global, como a eleição presidencial norte-americana ou a decisão do Reino Unido de abandonar a União Europeia. No dia a dia, servem para fins mais prosaicos, mais igualmente preocupantes. Basicamente, os dados que você coloca no seu perfil e o seu comportamento de navegação na internet são vigiados pelas gigantes da internet de forma a saber quem você é e, dessa forma, conseguir fazer você comprar mais coisas.
Publicidade dirigida
O grande negócio de empresas como Facebook e Google é vender os dados de seus usuários para fins de publicidade dirigida. É por isso que, quando você faz uma pesquisa sobre um smartphone, por exemplo, passa a ser bombardeado pela rede com propaganda de aparelhos similares. Nem sempre a coisa é tão direta. Ela pode assumir contornos mais sutis — de forma que nem suspeitamos que nossos dados estão sendo usados para fazer-nos consumir.
Por exemplo, um determinado anunciante que quer atingir porto-alegrenses do sexo masculino, de 20 a 30 anos, que tenham interesse em música sertaneja e que curtam páginas de gatinhos pode, sem maiores problemas, chegar especificamente a esse público. É só recorrer aos serviços das empresas que oferecem, "de graça", as redes sociais.
— As redes sociais se remuneram com os dados que os usuários oferecem espontaneamente. E a questão não é só o que fazemos dentro do site. Quando logamos no Facebook, por exemplo, ele captura também informações sobre as páginas que abrimos fora do Facebook. As empresas coletam essas informações e, a partir disso, segundo elas mantendo o anonimato, jogam esses dados em um repositório, para estabelecer padrões de perfis. Isso permite direcionar muito bem os anúncios. É algo que favorece as compras por impulso — explica o professor Daniel Bittencourt, coordenador do curso de Comunicação Social da Unisinos.
No caso da Cambridge Analytica, o processamento dos dados teria ido além das informações fundamentais como raça, gênero, idade e escolaridade. Foram estabelecidos tipos psicológicos e criadas mensagens adequadas a cada um desses perfis.
— A maior parte do uso que se faz dos dados que colocamos nas redes sociais é comercial, é a publicidade dirigida. Mas também há um uso político. E esse caso da Cambridge Analytica é o maior case público que temos disso — observa Pablo Ortellado, professor de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP).
Conforme Bittencourt, esse tipo de mecanismo está presente no Brasil e pode ser usado para favorecer determinado candidato.
— A campanha faz uma pesquisa de opinião, percebe em que perfil o discurso entra melhor e pode depois usar isso para atingir um público específico nas redes sociais e desequilibrar a disputa — afirma.
Ortellado sugere que os usuários se protejam acessando as configurações de privacidade dos serviços que utilizem, mesmo ressalvando que o alcance dessa medida é limitado. Bittencourt entende que não é possível confiar nessa alternativa e sugere medidas como usar navegadores que preservam a privacidade (como o Tor), navegar em janelas anônimas e fazer uma limpeza periódica dos cookies nas configurações do navegador de internet.
— Recomendo, mas sei que ninguém faz — afirma ele.