O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, afirmou em sua "live" dominical que, se eleito, irá tipificar como terrorismo qualquer invasão de propriedade privada. Era uma resposta ao postulante derrotado do PSOL Guilherme Boulos, que em um ato público, no dia 10, declarou que a casa do presidenciável "não parece muito produtiva".
— O que você faria se Boulos e 2 mil pessoas ameaçassem invadir a sua residência? Se eu for o presidente e se o parlamento assim entender, vamos tipificar como terrorismo qualquer invasão de propriedade privada — reagiu o postulante do PSL.
Ora, a fala de Bolsonaro é simplista e ignora o conceito de um tema caro às relações internacionais e cheio de nuances. Como oficial do Exército, o candidato deve saber que terrorismo é uma tática de guerras assimétricas, utilizada por uma pessoa ou grupo que não dispõe da mesma capacidade bélica de forças regulares. Por esse desequilíbrio, lança mão da surpresa e da violência física ou psicológica para incutir medo, pânico e, assim, obter ganhos políticos. Nos dias de hoje, tem como alvo principal a população civil, vítima inocente de sua covardia.
Não é algo novo. A expressão surgiu no Dicionário da Academia Francesa de 1798, em referência ao período em que a França foi governada pelos jacobinos (1792-1794), quando milhares de pessoas foram guilhotinadas em julgamentos sumários. Em seu famoso Dicionário de Política, Norberto Bobbio atribui o termo a grupos que, por meio de atentados feitos com o objetivo de despertar a consciência popular, buscam derrubar um governo acusado de manter-se por meio do terror.
A inexistência de um conceito amplamente aceito pela comunidade internacional, no entanto, abre brechas para polêmica. É legítimo o uso do terror como tática contra um Estado que se mantém também pelo terror? Era o caso das guerrilhas no auge das ditaduras militares no Cone Sul. É também o argumento de grupos que lutam pela autodeterminação de seus povos — palestinos, bascos e norte-irlandeses, por exemplo.
Desde que aviões foram usados como mísseis contra edifícios em Nova York e Washington, o terrorismo passou a dominar a agenda política global e, em vários países, deu lastro moral para ações de perseguição a grupos minoritários e violações de direitos políticos e sociais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o horror do 11 de setembro de 2001 construiu a narrativa emocional para o "Patriot Act", assinado pelo então presidente George W. Bush, e que permite a órgãos de segurança interceptar ligações telefônicas e e-mails de suspeitos sem a autorização da Justiça.
A definição mais aceita de terrorismo nos tempos atuais foi proposta pelas Nações Unidas em 2005: "Qualquer ato que tem como objetivo causar a morte ou provocar ferimentos graves em civis ou qualquer pessoa que não participa ativamente das hostilidades, numa situação que visa intimidar a população ou compelir um governo ou uma organização internacional a fazer ou a deixar de fazer qualquer ato".
Em outras palavras, invasão de propriedade privada é crime, mas não se trata de um ato de terror. A questão aqui é outra. O uso da semântica para justificar ações políticas. É sinal dos tempos de pós-verdade, aqui e além fronteiras, esconder ou burlar o significado real das palavras. Termos como fascismo, terrorismo e até os mais recentes, como fake news, têm conceitos construídos ao longo da história. Distorcê-los não apenas esconde interesses escusos como despolitiza o debate e, pior, esvazia de significado palavras caras demais para serem banalizadas. O que diremos no futuro quando realmente precisarmos delas?
A lei brasileira
O Brasil entrou tarde na discussão. A Lei Antiterrorismo (13.260) foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidente Dilma Rousseff só em 2016. O diploma legal tipifica que o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos de atos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
Em tramitação na Câmara, um projeto de lei de autoria do deputado federal gaúcho Jerônimo Goergen (PP) propõe mudança no parágrafo 2º da lei, que não aplica os atos de terrorismo a manifestações políticas ou de movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional que tenham "propósitos sociais ou reivindicatórios" para defender direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição.
Ou seja, se aprovada, seria possível classificar como atos terroristas ações violentas de grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ou o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).