É conhecida a tática do morde e assopra de Donald Trump para lidar com assuntos globais a cada pronunciamento-show no palco da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O mesmo presidente que nesta edição do encontro às margens do East River, em Nova York, deu a entender que pode usar seus militares para mudar o regime na Venezuela é aquele que, na reunião do ano passado, chamou o ditador Kim Jong-un de "homem-foguete" e que prometeu destruir a Coreia do Norte. Alguns meses depois, estava abraçado ao líder comunista em Singapura.
Trump costuma esbravejar, ameaça jogar pesado, ladra como pode em seu palco na ONU. Não passa de blefe. É sua estratégia para trazer o adversário para a mesa de negociações, como já deu pistas em seu livro "A Arte da Negociação". Como empresário ou como presidente, ele costuma fazer uma oferta absurda para dar início às negociações. Tudo para mudar completamente o referencial para a barganha que virá a seguir. Combinar a retórica agressiva a um blefe dá resultados quando o oponente está desesperado por um acordo e não tem garantias de que a ameaça não será cumprida. Com a Coreia do Norte funcionou, ainda que se olhe para o processo de desnuclearização da península coreana com os dois pés atrás. Como será com Nicolás Maduro, um presidente que, ao que tudo indica não está tão desesperado quanto Kim?
A primeira resposta do governo venezuelano foi dura, acusando Trump de promover uma "insurreição militar" no país: "A Venezuela manifesta a sua mais enérgica rejeição ante as declarações belicosas e ingerencistas emitidas pelo presidente dos Estados Unidos (...), orientadas a promover uma insurreição militar no país", assinalou a Chancelaria em comunicado. Mas não estranhe se Maduro abraçar o americano ainda em Nova York esta semana. Tudo está dentro do show da política, e os dois já expressaram essa possibilidade em declarações reservadas ontem.
Ainda que a fala de Trump esteja no campo das conhecidas bravatas trumpianas, ameaçar "usar seus militares" na Venezuela Trump é desserviço à paz. Ressuscita fantasmas de um tempo em que intervenções americanas na América do Sul e no Caribe eram frequentes — direta ou indiretamente. Ainda que com suas turbulências institucionais, a América Latina não é mais uma colcha de retalhos de repúblicas bananeiras. Não será com populismo, tática que tanto Trump quanto Maduro são afeitos, que se chegará a uma solução para a pior crise do continente em décadas.