As malas abarrotadas de dólares e relógios crivados de diamantes podem representar a ponta de um novelo que, se puxado com cuidado, desembaraçará as turvas relações entre bicheiros, empreiteiras brasileiras e ditadores africanos que reinam sobre o solo encharcado de petróleo, enquanto suas populações passam fome.
Os fatos: Teodoro Obiang Mangue, 49 anos, conhecido como Teodorín, é o filho mais velho de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, o ditador de Guiné Equatorial, pequeno país de língua portuguesa no oeste da África. Como rebento do tirano, ele foi nomeado vice-presidente do país em 2015. Na sexta-feira passada, em viagem particular, Teodorín chegou de avião ao aeroporto de Viracopos, em Campinas, São Paulo. Como não era uma missão oficial — ou seja, a comitiva não estava protegida pela Convenção de Viena, que proíbe a revista em bagagens de delegações diplomáticas —, as malas dos passageiros foram abertas pela Receita e Polícia Federal.
Testemunhas contam que seguranças do filhote de ditador tentaram evitar que os agentes brasileiros revistassem duas bagagens em especial. Houve confusão.
Nas malas, foram encontrados US$ 16 milhões em espécie e em relógios de luxo. Em depoimento à Polícia Federal, o secretário da Embaixada de Guiné Equatorial explicou que o Teodorín veio ao Brasil para tratamento médico, e que US$ 1,4 milhão em uma das malas seria utilizado em missão oficial posterior, com destino a Singapura. Já os 20 relógios de diamantes seriam de uso pessoal do rapaz.
Com alguma boa vontade se consegue engolir a explicação em relação aos acessórios. Basta conhecer um pouco da vida de luxo que Teodorín, habitué do jet-set internacional, costuma ostentar em suas redes sociais: mansão de 4 mil metros quadrados na Avenida Foch, em Paris, veículos Bugatti na garagem e obras da coleção do estilista Yves Saint Laurent. Mas e o "resto" do dinheiro?
Teodorín foi condenado na França a três anos de prisão e pagamento de 30 milhões de euros em multa por corrupção e crimes financeiros. Ele também teve bens apreendidos na Holanda e na Suíça. Nos EUA, fez acordo com a Justiça após acusações semelhantes. Nunca cumpriu pena.
Guiné Equatorial e Brasil têm histórico recente de relações suspeitas. Em 2015, a escola de samba Beija-Flor levou o caneco do Carnaval do Rio com samba-enredo que exaltava a ditadura africana — nada muito estranho já que, em 2006, outra agremiação, a Vila Isabel, venceu cantando a união latino-americana em desfile irrigado pelos petrodólares de Hugo Chávez.
No caso de Guiné Equatorial, o governo africano negou à época ter disponibilizado verba para que a Beija-Flor realizasse o desfile e informou que apenas apoiou iniciativa idealizada por "empresas brasileiras" que mantêm operações no país. A nota, divulgada pela embaixada, não informou quais empresas teriam doado verbas para a escola.
O Boeing 777-200 do governo de Guiné Equatorial decolou no domingo rumo a Malabo, capital da nação africana, sem as malas de dinheiro. Estranhamente, não foi para Singapura, destino de parte do dinheiro, segundo a versão oficial. A PF diz que o caso está sob sigilo diplomático. Receita Federal e Itamaraty não comentam o caso.