Um dos mineiros que permaneceu 69 dias soterrado na mina de Copiapó, o chileno Edison Peña aproveitou o contato feito por ZH na manhã desta sexta-feira para mandar um recado às crianças tailandesas presas na caverna:
– Que tenham fé e esperança. Tratem de gastar todo o tempo. Compartilhem o tempo fazendo esportes, lendo, montando quebra-cabeças.
Apesar das difíceis condições de ar e luz na mina San José, em 2010, o trabalhador praticava exercícios dentro do refúgio, a 700 metros de profundidade. Depois do primeiro contato com as equipes de socorro, pediu sapatilhas e calção para poder correr na mina. Em outubro daquele ano, ele foi o 12º trabalhador, entre os 33, a deixar o local na cápsula Fênix 2. Na conversa por ZH, direto do Atacama, o homem, hoje com 42 anos, contou como está acompanhando o drama dos tailandeses.
O senhor está acompanhando a situação das crianças presas na caverna?
Sim, pelo que sai no noticiário. Muito triste, está difícil. Entendo que (os mergulhadores) chegaram pela mesma caverna (por onde entraram as crianças). Eles têm essas capinhas térmicas, eles levaram alimentos para onde as crianças estão. Isso dá indícios de que, se chegaram ali, já está fácil de sair. Mas não está tão fácil. Os familiares souberam que eles estão em uma parte de refúgio. Isso dá um pouco mais de paz a eles. Por outro lado, fazer sair à superfície, é outra história.
O senhor está otimista? Acredita que é possível?
Sim, vai depender, creio, da água que entra ali. E vai depender também se demora muito tempo. Por esse fator, por sonda, creio que não é factível. Segundo o pouco que ouvi, pelo tempo em que já estão ali, não sei como vão tratar de ganhar tempo. Tem pouco espaço, está difícil também em razão da escuridão. Não sei como vão terminar com isso. Vai estar duro.
O senhor pensa que, por se tratar de crianças, é mais fácil ou mais difícil do que a situação pela qual vocês passaram?
Creio que para manejá-los (por serem menores) seria mais fácil, mas eu teria para eles outra ideia, que não sei se lhes ocorreu.
Qual?
Mandar gente para que fiquem com eles. Não necessariamente alguém que vá lá só se comunicar com eles e vá embora, mas gente que se feche lá com eles.
Para que não fiquem só?
Sim, para que não pensem coisas negativas. Estava vendo ontem (quinta-feira) o quanto mergulhar é difícil porque há zonas em que é totalmente escuro. Pode dar desespero, pode dar um ataque (de pânico), pode algum dos meninos ficar para atrás.
É melhor esperar os quatro meses lá dentro até que a água baixe?
Sim, mas não sei como podem mantê-los ocupados. E eles podem começar a se desesperar e pensar na vida que tinham e tudo o que está aqui na superfície, a liberdade. E também tem de pensar no que vai acontecer depois que eles saírem de lá, porque são meninos. E bem, eles não vão ficar. Não termina aí.
A questão psicológica?
Claro, porque há vezes em que tudo parece mal. É como estar em um quarto e não se consegue abrir a janela porque está tudo fechado. E aí estás tu, a cada dia, depois de dormir, acordar e estar no mesmo lugar em que está trancado. Você olha para todo o lado e não há saída. Essa sensação é tão recorrente que podes cair em pranto. É muito difícil porque é muito tempo.
Se o senhor pudesse se comunicar com as crianças, o que diria a elas?
Que tenham fé e esperança. Tratar de gastar todo o tempo. Compartilhar o tempo entre fazer esportes, ler, fazer quebra-cabeças. Que não deixe tempo morto. Não deixar que o corpo caia no negativo. E assim ir passando os dias.
Tem a questão da água subindo.
Pelos mesmos túneis, com o tempo, vão começar a chegar maiores comodidades. É... se bem que eles podem ficar até outubro. Vai ficar feio.
Como está a sua saúde? Recebe algum tratamento?
Não tenho tratamento. Todos os meus companheiros estão sugerindo alternativas. E nós temos de cuidar uns dos outros. É difícil se reintegrar-se, é difícil encontrar emprego. Não dão oportunidade. Parece que o caminho é a aposentadoria ou trabalhar com coisas alternativas. Não há confiança em nós.
O senhor segue trabalhando como mineiro?
Não trabalho desde 2010.
O senhor chegou a participar de maratonas depois que saiu da mina.
Fui duas vezes à maratona de Nova York, ao Japão e aqui ao lado, nossos vizinhos, na Argentina. Depois disso, nada mais. Por causa do meu joelho. Tampouco tem tratamento. Está tudo amarrado. É como se tivesse o resgate e agora teria de estar bem de saúde. Mas as coisas não terminam no resgate. Como te expliquei, depois que a gente sai, as coisas continuam.
O senhor tem contato com os outros mineiros?
Não, porque cada um está tocando sua vida.
O senhor pensa no que aconteceu? Ou isso ficou no passado?
As pessoas acreditam que vamos fazer um tratamento psicológico e todos vamos superar. Mas isso não vai acontecer, por mais que nos critiquem. E a gente tem que aceitar. Ou seja, as pessoas acreditam que essa é uma memória, mas não é assim. Às vezes a gente esquece, às vezes dá vontade de virar a página, mas é algo que volta.