Há características que aproximam Andrés Manuel López Obrador de Luiz Inácio Lula da Silva. Uma delas é o fato de ter feito um acordo com as elites nas últimas semanas de campanha para tranquilizar os mercados, o que lembra a carta ao povo brasileiro, na qual, em 2002, o ex-presidente tentou acalmar os investidores. Outra semelhança é a insistência para chegar ao poder. Obrador, favoritíssimo na eleição deste domingo, disputa o cargo pela terceira vez – em 2006 e 2012 não teve sucesso. Ou seja, lá se vão 18 anos tentando alcançar a presidência. A se confirmarem as pesquisas, finalmente, vai conseguir.
Os mais críticos de Amlo, como López Obrador é chamado pelos mexicanos a partir da sigla de seu nome completo, o posicionam à esquerda de Lula. Algo como um novo Hugo Chávez a emergir nas barbas dos Estados Unidos. Por esse olhar, não passa de um populista, com risco de venezualização do México e mais instabilidade para a América Latina.
Ex-prefeito da Cidade do México, López Obrador promete um governo austero e nacionalista, que combaterá a desigualdade e a corrupção. Diz que irá trabalhar por emendas à Constituição para mudar a política energética, eliminar a imunidade de funcionários do governo e autorizar mecanismos de democracia direta, como referendos nacionais.
A retórica lembra ingredientes de um caldeirão explosivo no subcontinente: uma mistura de Evo Morales e sua nacionalização de plantas energéticas na Bolívia, toques de Manuel Zelaia e seu referendo para alterar a Carta Magna em Honduras e se perpetuar no poder acrescido do conhecido molho ufanista de Chávez.
López Obrador é o velho fato novo da política em uma América Latina que vergou para a centro-direita após uma primeira década do século 21 de regimes de esquerda ou chamados “progressistas”. Originário de Tabasco, iniciou carreira política nas fileiras do Partido Revolucionário Institucional (PRI), a máquina que dominou a política mexicana por décadas, mas, depois, uniu-se ao Partido da Revolução Democrática (PRD). Em 1994, tentou, em vão, o governo de seu Estado natal. Muitas vezes foi dado como morto na política, mas sempre renasceu. Se existe uma qualidade que todos reconhecem é sua resiliência.
– Com esta mesma convicção, atuarei como presidente da República. Beirando a loucura de maneira obcecada – declarou ao ser ratificado como candidato da coalizão liderada por seu Movimento Regeneração Nacional (Morena).
Seus admiradores confirmam.
– É um homem cuja qualidade principal é a tenacidade.
É incansável – afirmou à agência AFP o historiador mexicano Paco Ignacio Taibo II.
Tudo indica que, quando sua seleção de futebol entrar em campo contra o Brasil, nesta segunda-feira, na Rússia, o México terá virado uma página de sua história. Partidos tradicionais como o PRI e o PRD terão sofrido sua pior derrota eleitoral frente ao Morena, que tem apenas três anos de existência. Será a derrota de um modelo desgastado, que lembra o coronelismo do início do século brasileiro.
López Obrador chegará ao poder finalmente, mas não sem ter feito concessões: uniu-se tanto a líderes sindicais corruptos quanto a representantes da extrema-direita. Alinhavou sua receita de vitória ao levar o empresariado para o seu lado, adotando o discurso “paz e amor”: tem garantido uma política fiscal equilibrada e o controle da dívida externa.
Camaleão que é, costuma jogar também para sua torcida. No Estádio Azteca, templo do futebol latino-americano, seus seguidores foram ao delírio quando fez promessas como não usar aviões reservados a presidentes e dizer que irá converter a sede da presidência em centro cultural – iniciativas que lembram o ex-presidente uruguaio José Mujica.
– Vou doar metade do salário atual do presidente da República – assegura o candidato.
López Obrador chama seu movimento de “a quarta transformação do México” e se compara a heróis nacionais como Benito Juárez (1806-1876), figura-chave na construção da República no século 19. Mas faltam propostas concretas para governar em tempos de Donald Trump e sua fixação pelo muro na fronteira. Só dizer que irá “peitar” o colega do Norte ou que a barreira “é uma ofensa” não será suficiente.
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Quem são os outros candidatos:
Ricardo Anaya
Apelidado de “jovem maravilha” por sua meteórica ascensão política, Ricardo Anaya busca ser presidente com a promessa de governar se inspirando mais na liderança do Vale do Silício do que na velha política.
Aos 39 anos, é um dos políticos mais jovens do México contemporâneo e aparece em segundo lugar nas pesquisas.
Anaya, do conservador Partido Ação Nacional, é impulsionado por uma aliança entre direita e esquerda. Costuma fazer comícios como se fosse o lançamento de um produto da Apple. Domina inglês e francês, e tem agilidade mental que muitos classificam como “assombrosa”. É o preferido dos eleitores mais jovens. O apelido “jovem maravilha” foi dado pelos jornalistas que cobriram seu trabalho como líder da Câmara de Deputados (2013-2014). Pessoas próximas o descrevem como ambicioso, perfeccionista e preparado.
José Antonio Meade
É o representante do governo. Embora tenha fama de sério e de bom gestor, não conseguiu se livrar do peso do partido, o PRI, uma máquina eleitoral que domina a burocracia mexicana há décadas, imersa em um pântano de corrupção. Chega às eleições com poucas chances. Aos 49 anos, a candidatura de Meade aconteceu de forma inesperada.
Há pouco mais de um ano, poucos acreditariam que fosse escolhido candidato do PRI.Então ministro da Fazenda, foi anunciado em agosto de 2017, quando a legenda modificou seus estatutos para abrir as portas para um candidato de fora, sem militância, estratégia idealizada pelo atual presidente Henrique Peña Nieto. Para muitos, Meade era o homem puro, cuja missão seria limpar a imagem do PRI. Um candidato capaz de “enfrentar o discurso de honestidade x corrupção de López Obrador. Mesmo assim, essa imagem não colou para o mexicano comum.
Jaime Rodríguez
“El Bronco”, como é conhecido, fez história em 2015 ao ser o primeiro candidato independente a virar governador (em Nuevo León). Apesar de não ter qualquer possibilidade de vencer, sua campanha foi marcada pelos memes que viralizaram nas redes sociais. Rodríguez, 60 anos, nasceu em Galeana em uma família grande e pobre.
Engenheiro agrônomo, foi muito criticado pela gestão de Nuevo León, onde se encontra a cidade de Monterrey, polo industrial do país. Ele não conseguiu diminuir a violência – que, aliás, é um dos temas da campanha (em todo o país, 133 políticos foram assassinados desde o início do processo eleitoral, em setembro). Ele costuma se identificar como candidato que fala diretamente com a população. Vulgar, protagonizou comentários machistas ao dizer, por exemplo, que seu cavalo lhe dá menos gastos que sua esposa.