A Venezuela, onde Nicolás Maduro consolidou seu reinado por mais seis anos neste domingo, é o país do arremedo. Arremedo de eleição, arremedo de oposição e arremedo de vitória.
1) O que aconteceu neste domingo, 20 de maio, não foi uma eleição como conhecemos. Com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) nas mãos do governo, não se trata de um pleito independente, onde o vencedor das urnas é aquele que emerge do desejo do povo e de seu voto.
Para ficarmos em um exemplo simples, denunciado ao longo do dia pela imprensa internacional: perto de muitas seções eleitorais, estavam os chamados pontos vermelhos, tendas nas quais os eleitores, depois de votar, tinham seu carnê da pátria (uma espécie de caderneta com a qual o governo controla a distribuição de benefícios sociais) escaneados por funcionários do governo. Em troca, recebiam a promessa de uma cesta básica extra - além da habitual. Ora, trata-se de clara coerção dos eleitores.
Mais: por volta das 12h, quando em qualquer país democrático em dia de eleição, as pessoas estariam nas filas nas seções eleitorais, em Caracas, as ruas estavam vazias. Maduro foi favorecido pela abstenção: só 30% teria ido votar, segundo a oposição. Mas, mesmo que não ganhasse a maioria dos votos, com o controle do CNE, o presidente daria um jeito de, até janeiro, data da posse, encontrar uma forma de neutralizar o resultado - por meio de referendos, por exemplo.
2) A oposição não existe. O candidato Henri Falcón, apontado como favorito por pelo menos dois institutos de pesquisa, tem toda a característica de um falso opositor. Ex-sargento, foi membro das fileiras chavistas até 2010. Quando rompeu com o governo, passou a defender a dolarização da economia - algo que o Equador já fez, por exemplo - para estancar a inflação que chega a 13.000% ao ano (previsão do FMI para 2018) e prometeu um salário mínimo equivalente a US$ 75 (hoje é de US$ 3).
Os dois principais nomes da oposição, com reais chances de vencer - Leopoldo Lopes (preso) e Henrique Capriles - foram impossibilitados de concorrer. Há várias dúvidas sobre a razão de o chavismo ter permitido a Falcón concorrer. Ou sabia que ele não teria chances de vencer ou este seria um títere nas mãos do governo. Algo como uma oposição controlada.
O boicote convocado pelo principal grupo opositor, a Mesa de Unidade Democrática (MUD), só fortaleceu Maduro. Ou seja, a oposição, ao não reconhecer o pleito e se abster, como já fizera infinitas vezes, só abriu portas, como de costume, para Maduro mandar e desmandar no país.
3) Trata-se de um arremedo de vitória, com números manipulados, coerção de eleitores e falta de legitimidade a Maduro. Nem o mais pessimista boliviariano achava que ele pudesse perder. O governo não apenas domina o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), mas todo o Judiciário e também o Legislativo.
Daqui para frente, pode-se esperar o recrudescimento da crise, cuja falta de itens básicos nas prateleiras dos supermercados é a ponta mais visível. A fuga de cidadãos também deve aumentar. Cerca de 50 mil venezuelanos passaram pela fronteira em direção ao Brasil nos últimos meses. Para a Colômbia, foram 800 mil; para o Chile, mais de 160 mil; para o Peru, 298 mil. No país do faz-de-conta, o que veremos será mais fome e êxodo.