Emplacar uma foto na capa da revista americana Time é sonho de muitos fotógrafos. Luisa Dörr publicou 12. Aos 29 anos, a gaúcha de Lajeado foi escolhida pela editora de Fotografia da publicação, Kira Pollack, para o projeto Firsts, a produção multimídia que, com vídeos, fotografias e textos, fala sobre as 46 mulheres mais influentes do mundo, segundo a revista.
Tudo começou quando Kira passeava pelo feed do Instagram de Luisa. Avistou, entre dezenas de fotos, a imagem de Maysa, menina da Brasilândia, favela de São Paulo, que sonhava ser miss.
A editora americana gostou tanto da estética da gaúcha, que não apenas convidou a gaúcha para o trabalho como a contratou para produzir todas as imagens das mulheres superpoderosas com uma técnica na qual Luisa havia se especializado: fotografar usando apenas o iPhone.
A fotógrafa gaúcha partiu para os Estados Unidos para fotografar a ex-secretária de Estado e ex-candidata à presidência Hillary Clinton, a tenista Serena Williams, a apresentadora de TV Oprah Winfrey, a cantora Aretha Franklin e outras.
Formada em Fotografia pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Luisa deixou o RS em 2013, quando foi convidada a trabalhar na produtora cultural Estúdio Madalena, em São Paulo.
Hoje, vive com o marido em um vilarejo perto de Itacaré, na Bahia. Na semana passada, ela esteve em Porto Alegre para participar da 11ª edição do Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre (FestFoto) e conversou com a coluna.
Como você foi parar na Time?
Quando comprei meu primeiro telefone, criei o projeto #WomanTopography. Me tornei oficial do Instagram. Não é uma regra, mas eles estão procurando pessoas focadas em determinados assuntos. No meu caso, retrato de mulheres. Com isso, tive certa visibilidade e cheguei a mais pessoas. Isso ampliou meu número de seguidores. Kira (editora da Time) por acaso viu a foto da Maysa, que é um projeto que faço há cinco anos. Ela gostou muito da estética das fotos, viu várias mulheres de diferentes idades. Era isso que ela estava buscando para o Firsts. Nunca foi uma coisa pensada: “Vamos fotografar com o iPhone, que supercool”. Não, ela gostou da estética e essa estética faço com o telefone.
Com alguma das mulheres você conseguiu ter um contato mais aprofundado? Vi que, com algumas, foi superápido.
Algumas? Quase todas. (Risos) Essas pessoas estão um pouco de saco cheio dos fotógrafos. Curtem ser fotografadas quando estão em um ambiente mais preparado, em estúdio. Eu, chegando com o telefone, foi bem complicado de entenderem que esse instrumento que elas têm no bolso também é capaz de produzir um portfólio para a Time. Cada foto era uma nova experiência. A gente chegava no lugar 40 minutos antes. Se tinha uma sala, fazia nessa sala mesmo. A luz está ruim? Tanto faz. Hillary Clinton a gente tentou fotografar durante a campanha inteira. Não deu. Ela perdeu, pronto. E estava superfeliz porque tinha voltado de férias com o Clinton (Bill Clinton, ex-presidente dos EUA e marido de Hillary). Com quem mais tive contato foi com a Sylvia Earle, que é uma oceanógrafa, tem 85 anos e segue trabalhando. Uma vez por mês, ela leva as filhas para mergulhar. Uma pessoa apaixonada pelo que faz.
As pessoas sabiam que você as fotografaria com o iPhone?
No começo, não. Quando o relações públicas da Serena Williams ficou sabendo do telefone, falou: “De jeito nenhum”. Não vai acontecer. De alguma maneira, a editora conseguiu convencê-lo. Ele falou: “Tá, vai fazer? Tem quatro minutos”. E ligou o timer. No final, eles adoraram a foto. As pessoas têm medo do novo.
Preconceito, na verdade.
É, mas o que importa é o resultado final, não é a ferramenta que tu utilizas para contar a história. É medo do novo. Mas, depois que você tem 10 fotos e vem uma pessoa famosa e você diz: “Já fotografei fulana, sicrana”, e ela vai dizer: “Ok, se essas toparam, eu também”. Mas vai ser a primeira.
Quem foi a primeira?
Mary Barra, CEO da General Motors. Ela foi legal. Sofre muito bulliyng nos EUA, porque é muito forte. As pessoas a chamam de homem, coisas assim. Ela está acostumada a ser fotografada como uma diva. E de diva o Firsts não tinha nada. É muito simples. Por isso, gosto do projeto, as pessoas parecem reais. É difícil você se inspirar em quem parece intocável. Ali é muito mais real. O iPhone transmite essa perspectiva.
Como foi com Hillary?
É tudo questão de timing. Se a fotografasse durante a campanha, ela teria sido uma bruxa, teria me dado 20 segundos, sentada a uma mesa, de mau humor. Mas, como já tinha passado (a eleição), ela estava voltando de férias, sabia o nome de todo mundo, deu oi para todos. Chegou flutuando e querida. Com ela, tive muito tempo. Uns seis minutos, isso é um exagero.
Quantas fotos de Hillary você tirou?
São fotos muito similares. Gosto de escolher duas situações: um headshot (fechada no rosto) e uma mais aberta. Não sei o número, mas fotografo rápido. Também porque a pessoa pisca ou se mexe, não tem flash. Se mexe um pouco, já borra. Não dá para fazer milagre.
Quando você usa a câmera profissional?
Agora, me tornei a fotógrafa do iPhone, mas faço vários projetos. Depende do cliente. O trabalho na Time começou muito pequeno, era para ser seis fotos. Foi crescendo. Para eles, também foi uma questão: “Será que com o telefone vai ter qualidade?” Mas, no final, deu tudo certo.
Você percebe preconceito de colegas por usar o iPhone em trabalhos profissionais?
Busquei críticas quando saiu o Firsts, mas achei mais em sites técnicos. As pessoas são mais obcecadas pela técnica, mas quando te contratam (para um trabalho), chamam pelo teu olhar. Não pelo método que tu usas. É a tua visão que é única. É isso que vai fazer tu ficares ou não. E também uma questão de como tu te posicionas quando estás usando o equipamento.
Como foi com Oprah?
Chegamos no escritório em Los Angeles, era tudo branco. Falei com a assistente: “Será que a gente pode fotografá-la na rua?” Já esperando o não. Encontramos o lugar, uma garagem com uma lixeira, um cheiro horrível. Ela aceitou por dois minutos. Chegou em um carrinho de golfe, andando com salto alto. Ela foi incrível, é brilhante.
E Aretha Franklin?
Essa me ignorou totalmente. Essa chegou e falou: “Hoje, não vou cantar, não vou fazer foto, não vou fazer nada”. Kira estava junto. Tinha um contrato com a Aretha, ela ia cantar para a Time. Em Detroit, inverno, na igreja do pai dela. A única janela que tinha era no camarim. Falei para Akira: “Sei que ela está de mau humor, mas é agora ou nunca”. Pedi para ela (se posicionar), nem respondia. Mas fazia o que eu pedia. Olha para cá, olha para lá e acabou. Dois minutos e feito. Ela me chamou: “Posso ver”. Mostrei. Fizeram a entrevista, ela arrasou, mandou muito bem e aceitou cantar. Ela começou a cantar na igreja do pai, com o piano, uma voz incrível. Éramos oito pessoas, com muita sorte, olhando a Aretha Franklin. Surreal. Daí, ela pede para ver (a gravação), queria saber se ficou bom o áudio. Ela começou a chorar de emoção com a própria voz. E foi embora. Acho ela uma diva. Por isso, ela pode me ignorar. A música dela vai ser ouvida para sempre.