Quase todos os dias, os jornalistas afegãos saem correndo de seus escritórios, entram em carros, sobem em motocicletas ou vão a pé até o local de um atentado. Ao chegarem ao lugar do ataque, testemunham o horror: corpos desmembrados, vidas ceifadas. Trabalham juntos. Ajudam-se. Após o envio do material para as sedes de jornais e emissoras de TV, quando o dia termina, choram. Voltam para casa ou vão para o bar. Bebem para esquecer o que viram.
A guerra faz isso com os jornalistas. Se estamos no mesmo carro, podemos morrer todos. Se estamos no mesmo hotel, somos todos reféns de algum grupo extremista. Há rivalidades, vaidades, como em qualquer profissão, mas, no front, a irmandade entre repórteres não apenas é uma questão de empatia. Trata-se de sobrevivência.
Por isso, é natural que os mesmos jornalistas acabem se encontrando no local de uma explosão. É a hora do pandemônio, quando corremos no sentido contrário de quem foge.
Como os quatro fotógrafos que cobriram a tragédia da África do Sul nos anos 1990 e que ficaram conhecidos como Clube do Bangue-bangue, nove jornalistas afegãos foram atraídos pela notícia até o local do atentado suicida em Cabul, na segunda-feira. Quando chegaram, um homem-bomba carregando uma câmera e uma credencial falsa, explodiu a si próprio. Todos morreram, entre eles o chefe dos fotógrafos da agência de notícias France Press na cidade, Shah Marai.
Os que ficaram repensam sua profissão.
— A morte está em toda parte, você não sabe onde ou quando vai te atingir — diz Zakarya Hasani, 27 anos. — Eu tive de calar o medo. A morte faz parte do ofício, da minha vida profissional.
Por três anos, Hasani, agora freelancer, trabalhou para a rede de televisão 1-TV, que perdeu um de seus cinegrafistas na segunda-feira. Ghazi Rassouli, 21 anos, era seu amigo:
— O melhor cara do mundo e, como outros, estava prestes a se casar.
Invariavelmente, em algum momento de uma guerra — e senti isso nos sete dias em que passei em Bagdá, em 2016, para ZH, vem a famosa pergunta: "O que, afinal, estou fazendo aqui?"
Em todos os dias em que estive lá, houve atentados, no maior deles 90 pessoas morreram. No meu caso, havia data e hora para sair do inferno. É sempre pior para quem fica. Para a população, que não tem como sair de uma zona de conflito. No caso dos jornalistas afegãos, é preciso lembrar, eles estão cobrindo uma guerra que para nós é distante, mas que, para eles, é na cidade deles, na frente de suas casas muitas vezes.
— Claro que sou pressionado pela minha família para mudar de emprego. Todo mundo me ligou para dizer "largue esse trabalho que nos separa de você". Mas, por enquanto, a resposta é não — contou Ghazi Rassouli à AFP.
Zainab, jornalista de 23 anos, que trabalha em um dos principais jornais do país, o Hasht-e-Subh, resiste à pressão de sua mãe.
— Ela quer que eu me demita, mas não posso parar de informar, é exatamente o que os talibãs e o Daesh (como é chamado o Estado Islâmico em países muçulmanos) querem — diz.
Há um comprometimento impressionante com responsabilidade social de continuar a informar.
Daqui para frente, quando você vir uma fotografia da guerra no Afeganistão ou ler uma reportagem, lembre que, por trás da imagem ou do relato, há um ou uma profissional que provavelmente pensou em largar tudo. E não o fez. A segunda-feira foi o dia em que a imprensa afegã provou sua resiliência.
Abaixo, o trailer de Clube do Bangue-Bangue, que retrata a história dos fotógrafos Kevin Carter, Greg Marinovich, Ken Oosterbroek e João Silva, que cobriam a África do Sul nos anos 1990.