Durou cerca de duas horas e meia o depoimento do presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos de Porto Alegre, Jair Krischke, perante o Tribunal de Roma, na Itália, onde três militares gaúchos são réus no caso do desaparecimento de um militante de esquerda ítalo-argentino, em Uruguaiana, em 1980.
Lorenzo Viñas é uma das vítimas da Operação Condor, o acordo secreto entre ditaduras do Cone Sul nos anos 1970 e 1980 para caçar opositores de esquerda além das fronteiras nacionais. Integrante do movimento guerrilheiro Montoneros, ele havia sido preso em 1974. Em 26 de junho de 1980, ele deixou Santa Fé a caminho do Brasil a bordo de um ônibus. A ideia era encontrar a mulher, Claudia Olga Allegrini, no Rio de Janeiro e, de lá, voar para Europa, onde buscariam refúgio. No entanto, Viñas desapareceu logo depois de cruzar a fronteira com o Brasil em 26 de junho de 1980.
A juíza Anna Argento, da I Corte de Assisi do Tribunal de Roma, aceitou a denúncia da promotora Tiziana Cugini contra os três oficiais brasileiros. São réus os coronéis João Osvaldo Leivas Job, à época secretário de Segurança do Estado, Carlos Alberto Ponzi, então chefe do agência do Serviço Nacional de Informações (SNI) em Porto Alegre, e Átila Rohrsetzer, diretor da Divisão Central de Informações do Rio Grande do Sul. Leivas Job e Ponzi vivem em Porto Alegre. Rohrsetzer reside em Florianópolis (SC).
O depoimento de Krischke começou às 10h em Roma (7h em Brasília). A principal preocupação da promotoria era compreender como funcionava o aparelho repressivo brasileiro durante a ditadura e questões de responsabilidade.
– Procurei ser o mais didático possível. O Rio Grande do Sul, por suas fronteiras, o aparelho repressivo tinha peculiaridades. A Secretaria de Segurança do Estado não era, por exemplo, chefiada por um civil. Era um coronel. Dentro da estrutura da segurança, havia o DCI (Divisão Central de Informações), que também era composto por oficiais do Exército – explicou o presidente.
Conforme Krischke, ao ser detido, Viñas foi levado para a sede da Polícia Federal em Uruguaiana. Depois, foi conduzido por agentes argentinos até Buenos Aires, onde teria ficado preso no Campo de Mayo, antes de seu desaparecimento.
Segundo Krischke, Viñas foi monitorado pelo aparelho repressivo da Operação Condor.
– Eles sabiam que ele ia cruzar a fronteira naquele dia – afirmou o presidente.
A viúva de Viñas não esteve presente na corte nem prestou depoimento por videoconferência, como era esperado. Novos depoimentos serão ouvidos. Se condenados, os militares podem ser sentenciados a prisão perpétua. A Constituição impede a extradição de brasileiros. Com a sentença condenatória, as autoridades italianas emitem, via Interpol (polícia internacional), ordem de prisão. Caso algum deles viaje ao Exterior, poderá ser preso e entregue à Justiça italiana.