Você e eu ficamos horrorizados com as fotos das crianças que morreram sem ar na Síria. Donald Trump também. Como cidadãos, fomos ao Twitter e ao Facebook expressar nossa indignação. Trump também fez isso, aliás o faz com frequência mais habitual do que o normal para um presidente. O que nos diferencia, então, diante do massacre sírio? O peso do cargo de comandante-em-chefe da maior potência militar do planeta.
Trump apertou o botão da guerra, enquanto dissimulava um dia normal, de agenda importante com o presidente chinês, Xi Jinping, na “Casa Branca de inverno” da Flórida. Encerrado o jantar, iniciava-se o primeiro ataque americano às forças do assassino Bashar Al-Assad.
Como George W. Bush ao bombardear os talibãs no Afeganistão em 2001, Trump conseguiu uma coesão política impressionante que aplaudiu sua ação contra a base aérea de Al-Shayrat. Pela primeira vez, colou as fissuras nas fileiras do Partido Republicano, entre os poucos apoiadores e os que torciam o nariz desde as prévias, no ano passado. Tradicionais críticos, como os senadores John McCain e Lindsey Graham, elogiaram publicamente a ação. Mesmo democratas se uniram a Trump, considerando a ofensiva “proporcional” à morte dos inocentes de Khan Sheikhun.
O contexto político de Washington também guarda paralelos com o de setembro de 2001. Um presidente cambaleante em início de mandato, ungido após uma disputa eleitoral brutal e uma vitória questionável – na Justiça, no caso de Bush sobre Al Gore, em 2000; cercada de suspeitas de interferência externa no caso de Trump sobre Hillary Clinton, em 2016. Então vem o horror: os atentados a Nova York e Washington em uma terça-feira de setembro; as cenas dantescas das crianças sírias asfixiadas ao acordar em suas casas em uma terça-feira de abril.
Em 2013, Barack Obama disse que, se a Síria ultrapassasse a “linha vermelha” do uso de armas de destruição em massa, ele seria compelido a atacá-la. Não o fez, mesmo quando Al-Assad usou arsenal químico contra 1,4 mil civis nos arredores de Damasco. À época, o cidadão Trump, por sinal, era contra. “O que conseguiremos ao bombardear a Síria, além de mais dívidas e um possível conflito a longo prazo?”, perguntou no Twitter. “Obama precisa de aprovação do Congresso”, reivindicou. Trump presidente não apenas bombardeou a Síria como também passou por cima do Congresso, que está em recesso.
Se foram as fotos das crianças que fizeram Trump mudar de ideia, abrindo mão do hesitante soft power de Obama, é o menos relevante. Com esse ataque, o presidente assumiu um lance de alto risco. Ele pode estar sentindo que ir à guerra será positivo no front interno no momento em que as relações nebulosas de seus assessores com a Rússia ficaram escancaradas. Pessoas de sua confiança falaram em seu nome com o governo de Vladimir Putin, sem supostamente sua autorização. A interferência do Kremlin na eleição para prejudicar a adversária Hillary e favorecer Trump abalou sua credibilidade.
Os 59 mísseis Tomahawk que partiram dos destróieres USS Porter e USS Ross, no Mediterrâneo, levaram quatro minutos para chegar ao alvo. Bem mais longo será o efeito interno de seu gesto. Aos 78 dias de governo, Trump quis, antes de tudo, limpar seu nome perante os americanos.