Houve emoção, houve citação explícita de suas conquistas: a morte de Osama bin Laden, o maior acesso à saúde, a contenção das ambições nucleares do Irã, o controle da economia, o acordo com Cuba. Mas, sobretudo, o discurso de Barack Obama na noite desta terça-feira, a despedida de seus oito anos, esteve acima dos feitos, das disputas políticas. Foi um pronunciamento, de pouco mais de 50 minutos, para a História.
O presidente que deixará o poder no dia 20 de janeiro e que levou um novo estilo à Casa Branca fez questão de passar a limpo sua história. Subiu ao palco do centro de convenções do McCormick Place, em Chicago, ao som de City of Blinding Lights, da banda irlandesa U2, tema de sua campanha em 2008. Aos poucos, os presentes, que se acotovelaram em filas desde o fim de semana, foram jogados de volta ao passado. Foi a algumas quadras dali, em 4 de novembro de 2008, que Obama comemorou a festa da vitória, no Grant Park. O espírito daquele dia foi revivido.
Obama não escolheu Chicago por acaso. Também foi ali, no sul da cidade, que ele foi forjado como ativista comunitário. Na cidade, construiu sua carreira política e, por Illinois, o Estado, elegeu-se senador.
– Foi onde aprendi que a mudança acontece somente quando as pessoas estão envolvidas – resumiu, de forma épica.
A palavra "mudança", referência a seu grito de guerra "Yes, we can!" ou "Change", esteve presente em todo o subtexto do discurso. Assim como a esperança (Hope), outro de seus slogans.
Os feitos de seus oito anos no comando da maior potência do planeta foram citados em um contexto maior. Obama, ao invés de apenas jogar confete sobre suas duas gestões, preferiu usar as medidas adotadas ou a conquistas como referências a ideias nas quais acredita. Obama é, sobretudo, um idealista. Falou do poder da democracia e do poder de cada cidadão de fazer a diferença.
– Nossa democracia é ameaçada quando achamos que ela está garantida – disse.
Foi sutil ao desafiar Trump: ao falar sobre o Obamacare, a reforma no sistema de saúde, disse que será o primeiro a apoiar publicamente um novo projeto, desde que esse beneficie um maior número de pessoas por um custo menor. Também no tema racial e da imigração Obama foi mais conceitual: falou do respeito às diferenças.
O idealismo de Obama veio a tona em vários momentos, na defesa da liberdade religiosa e da liberdade de imprensa. Também foi contemporâneo, ao defender o espírito americano concretizado em conquistas da ciência e da tecnologia:
– O espírito que cura doenças e que põe o computador no nosso bolso. O Direito vem antes da força.
Muito aplaudido, o presidente que deixa o poder quase não conseguiu falar nas primeiras intervenções.
– Mais quatro anos – dizia a multidão.
– Eu não posso – sorriu.
Perto do final, emocionou-se quando agradeceu a parceria da mulher, Michelle Obama, quase a lançando como candidata:
– Michelle, uma moça da parte sul da cidade... Você não foi apenas a esposa ou mãe dos meus filhos, foi a minha melhor amiga. Você assumiu um papel que não pediu, mas o abraçou com graça, com garra, com estilo e bom humor.
Agradeceu também às filhas, Malia e Sasha (essa última, ausente da festa), ao vice, Joe Biden, e à equipe:
– Vocês nunca deixaram Washington vencer vocês. Vocês se protegeram do civismo.
Ele encerrou com o slogan vitorioso de 2008:
– Yes, we can (Sim, nós podemos)
Quase paralelamente, a Casa Branca, no Twitter, registrava para a história:
– Yes, we can. Yes, we did. Yes, we can. Thank you.
O discurso não foi ocultado pelas notícias que deixaram os EUA curiosos horas antes de Obama subir ao palco de Chicago. Vários jornais informaram que a CIA teria mostrado a Donald Trump um relatório segundo o qual o governo russo teria informações suficientes sobre finanças e a vida pessoal do presidente eleito capazes de comprometê-lo. A Rússia poderia usá-lo para chantageá-lo, era a conclusão.
– Fake news – reagiu Trump, no Twitter, ironicamente usando o argumento que os democratas lançaram mão ao perder a eleição em novembro passado.
Obama sai de cena. Mas dias interessantes ainda estão por vir.